Reinávamos naquele casarão já a partir de setembro, a ensaiar a todo
vapor, para conceder entrevistas (já falei sobre duas delas, e que foram frutos de
nossos esforços, e não do escritório, é bom frisar), a aproveitar as benesses da
estrutura, incluso a discoteca, ali disponível.
Nesse aspecto, o fato do Miguel ter sido um
radialista de sucesso, e ter sido também um executivo de gravadora e dono da
empresa "Clube do Disco", pesou na construção de uma bela discoteca, e fôramos incentivados por ele mesmo a usufruir do acervo gigantesco, através de numa
sala de audição com um equipamento Hi-Fi de primeira linha etc. Claro
que isso foi sensacional.
Café, lanches, e afins também eram
servidos a vontade. Havia uma faxineira e a secretária pessoal do
Miguel, agia como governanta da casa, a cuidar de sua limpeza,
organização e funcionamento da cozinha. Esta chamava-se: Maria Amélia, uma
mulher de meia-idade, mas com uma jovialidade bem preservada em sua cútis. De fato, logo
soubemos que ela fora Miss Santos nos anos 1950 (acho que no ano de 1955,
salvo lapso de minha memória), portanto, quando jovem, deve ter sido
muito bonita.
Dava para ter uma noção disso, ao observar a sua filha
adolescente, uma menina que aparentava ter cerca de treze ou quarenta anos de idade, e que era
belíssima, mas prudentemente, logo notamos que sua mãe a orientou a não
nos dar atenção. Essa menina vivia a fugir pelos cantos quando nos via, e claro que
ficou clara a orientação materna nesse sentido. Particularmente, eu não
acho errado que um pai ou mãe tome certos cuidados com filhos nessa
idade, principalmente se forem do sexo feminino...
O Beto sempre
foi extrovertido ao extremo, e brincalhão. Ele era assim com qualquer
pessoa, era o seu jeito pessoal de ser e agir. Pois então, logo pôs-se a inventar apelidos para todos naquela casa, e a Dona Maria Amélia, no caso, tornou-se: "Mamé",
uma intimidade que a assustava, com certeza, mas com a qual teve que se acostumar.
Porém, dava
para sentir no seu semblante que aquilo era incômodo para ela, e a
apavorava em relação à filha. Esta por sua vez, obedecia a mamãe, e nos
evitava, mas ficara nítido que devia achar o máximo o convívio com uma
banda de Rock, mediante quatro cabeludos ali presentes, e isso se manifestava quando
íamos ensaiar e ela dava um jeito de ficar na técnica a assistir, toda
vez que a sua mãe estava ocupada em uma reunião com Miguel, por exemplo.
Miguel
era um gentleman. A sua postura era a de um Lord inglês, com modos refinados,
linguajar sofisticado, e até um certo exagero no se portar, mas
particularmente eu admirava essa sua educação milhas acima do brasileiro
médio. Eu e o Rubens, aliás, que também admirava esse grau de educação
cavalheiresca de outrora. Beto e Zé Luiz, que tinham personalidades bem
mais despojadas, achavam-no empolado demais.
O consorte de Sonia,
Toninho Ferraz, era um rapaz bem mais jovem do que ela, e muito
falante. Ele demonstrava uma esperteza muito grande e parecia fazer o
contraponto ao Miguel aristocrático. Ele sabia se portar de forma educada, naturalmente,
mas havia interiormente em sua personalidade, uma disfarçada malandragem de rua em sua personalidade, e claro que
essa característica diametralmente oposta poderia somar, ao agregar em outros
aspectos.
A estrutura e os grandes contatos eram do Miguel, com
Sonia e Toninho a cumprir o trabalho mais braçal da produção. Eles seriam
produtores diretos do cotidiano, praticamente a função de um Road
Manager, ao cuidar do gerenciamento da carreira e ao agregar os seus contatos
de Teatro e TV, eventualmente, e o Miguel, entraria com seu prestígio na mídia
radiofônica e televisiva, mas principalmente nos meandros da indústria
fonográfica, onde ele fora um executivo, e conhecia de fato muita gente poderosa.
Haveria
uma possibilidade a mais nessa equação, mas isso revelou-se mais um
delírio, do que uma realidade. O Toninho se apresentava como artista
plástico e daí, dizia ter muitos contatos nessa área também, e que isso
poderia agregar. Lógico que poderia em tese... quisera eu ser amigo do Salvador
Dali e ter sua arte e presença física sempre por perto, quiçá a colaborar diretamente com a parte visual dos shows, material gráfico,
capas de discos, ou no mínimo, a nos ceder o seu prestígio social que não abria, mas escancarava portas...
No caso do Toninho, ele se auto-definia como um
artista fechado no estilo: "Quixotesco". Eu aprecio as artes plásticas, aliás
sempre gostei, mas fiquei confuso quando o ouvi falar sobre isso, pois
desconhecia que houvesse uma escola estética com tal denominação. Claro, eu nunca fui um grande conhecedor da história da arte e a saber com desenvoltura sobre todas as suas escolas estéticas, no entanto, o estilo "quixotesco", eu realmente estranhei quando o ouvi afirmar isso.
Ele
disse que só produzia "Quixotes", ou seja, todas as suas obras eram
motivadas por um único mote: a figura do personagem criado por
Cervantes, Dom Quixote. De fato, ele nos mostrou pinturas, desenhos e
várias esculturas com tal inspiração, apesar de acharmos aquilo
estranho, pois é no mínimo esquisito um artista que se declara fechado em uma única ideia de criação.
Logos nos primeiros dias, ele prometeu preparar gravuras de "Quixotes" para cada um de nós, no entanto, apenas o Rubens recebeu efetivamente uma peça, que
levou para o seu pai ornar o seu gabinete de trabalho, visto que o Dr.
Rafael Gióia Junior, admirava o personagem de Cervantes.
Eles prometiam-nos "mundos &
fundos", e respaldados pela estrutura toda que ostentavam, somada aos contatos que diziam ter, tais conquistas representariam para eles, praticamente favas contadas que nos fariam
"estourar" no mainstream, em questão de pouco tempo.
Conforme eu já disse,
estavam empolgados com o nosso progresso conquistado sem a interferência
deles, e nos consideravam uma pedra semi-lapidada, só a precisar de poucos
ajustes para ser valiosa de fato, no mercado. E isso se reforçara à medida que outros compromissos não paravam de aparecer
espontaneamente.
O telefone não parava na casa do Rubens, e agora nós só
transferíamos tudo para eles, ingenuamente eu diria, pois além da
estrutura física do estúdio, e poucos contatos de mídia que eles arrumaram, tudo
o que estava a explodir em nossa órbita, fora fruto de nossos próprios esforços ao longo de quatro anos de atividades árduas de nossa parte.
Pois deveríamos ter testado mais o poder de fogo real deles, mas
caímos nas suas bravatas, com a ressalva de que estávamos tão bem naquele
instante, que foi realmente difícil acreditar que não chegaríamos ao
nosso objetivo, que seria o mainstream da música.
E nesse ínterim, teríamos mais três shows em
setembro. Todos frutos de nossos esforços, mas já fechados com o escritório, e assim, a contrair a obrigação de darmos uma taxa muito robusta para eles...
Continua...
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
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