domingo, 21 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 345 - Por Luiz Domingues


Ainda a comentar sobre as ocasiões sociais em que nos inserimos, finalmente o Studio V nos colocou em uma situação produzida por eles, no entanto, não foi algo produtivo para nós. Antes de falar sobre disso, é preciso retroagir um pouco para contextualizar.

Quando fomos abordados pela primeira vez, e nos disseram que haveriam outros artistas de outras correntes musicais, contratados pelo estúdio, na verdade não havia ninguém. Já comentei que tal realidade manteve significados subliminares. Mas eis que por volta de outubro, Sonia e Toninho nos comunicaram eufóricos, que haviam contratado um "astro" internacional, e que tal artista "consagrado" não precisava de muito empenho para acontecer no Brasil, e que pelo contrário, nós seríamos beneficiados, ao apanharmos carona no seu rastro de sucesso.

Nós estávamos esperançosos que o Studio V nos proporcionasse uma abertura grande, mas não seria por conta disso, a não ser que tivessem contratado um astro de real grandeza da música Pop... neste caso, quem seria? Rod Stewart?

Então, eis que surge a figura de um cantor português, chamado: Michael Olivier (peço perdão ao leitor, mas não há uma linha sequer sobre esse artista na Internet, portanto, fico a dever fotos ou maiores esclarecimentos sobre a sua carreira).

Figura espalhafatosa, e engraçada pelos trejeitos e maneirismos histriônicos, ele chegou com bastante soberba ao casarão da Avenida Eusébio Matoso, a falar de sua carreira internacional, shows em casinos europeus, casas noturnas badaladas do jet set daquele continente etc.

O seu som era baseado em um espectro Pop bem popularesco, que lembrava muito os artistas nacionais similares, alguns entre os quais, que o próprio Miguel havia produzido nos anos setenta, quando foi executivo da gravadora RGE, a gerir um selo como a "Young". E claro que isso explicara muito dessa contratação tão esdrúxula.

Ele cantava em inglês e francês, predominantemente, mas português, também, é claro.

A julgar pela produção de áudio, estética, e nível artístico dos compactos simples que nos mostrou entre os seus lançamentos na discografia, ficara mesmo difícil acreditar que nos beneficiaria de alguma forma. O que poderia nos proporcionar? Entrevistas em programas de emissoras de rádio AM?

Programas popularescos de TV, ao estilo de Gugu Liberato (acabáramos de fazer algo assim, espontaneamente, ao "abrir" o Menudo), portanto, o que ele poderia agregar para nós?

Essa chegada dele ao elenco da produtora, não tirou o nosso entusiasmo nessa época, mesmo por que sentíamos a euforia de ver a nossa banda a subir pelas próprias forças, mas certamente que se acendeu uma pequena luz amarela, pois o sujeito era bastante antagônico, artisticamente a falar. E nesses termos, um fator é ser eclético, e outro, muito diferente, é não ter noção alguma das disparidades que poderiam até provocar-nos um mal-estar em relação à estratégia da produtora.

Enfim, nada pudemos fazer, pois éramos apenas contratados e não os executivos e estrategistas da instituição. 

O tal Olivier, era também engraçado, não posso negar. A sua arrogância patética, aliada ao sotaque lusitano castiço, bem carregado, e sobretudo pelos trejeitos efeminados, provocavam uma série de situações muito engraçadas nos bastidores do casarão do Studio V. E como estávamos a frequentá-lo, diariamente, a ensaiar e gravar a demo-tape, foi inevitável que o víssemos diariamente, também.

Infelizmente, a sua atitude para conosco, foi marcada pelo sentimento de ciúmes, explícito. Nos chamava como: "Rockeirinhos insignificantes brasucas", e não pelas costas, mas o tempo todo, e diretamente para nós. Era tão patético e engraçado, que ríamos. Nunca ficamos com raiva dele por conta de tais hostilidades, e nem mesmo ao saber que em conversas reservadas que manteve com Sonia e Toninho, tinha chiliques histéricos, a exigir que eles nos despedissem, para focar então os seus esforços exclusivamente em sua carreira.

De tanto que era afetado, e nós não esboçávamos reagir com nenhuma contrariedade, ele enfim percebeu que seria inútil se portar como uma criança mimada de cinco anos de idade, e algum tempo depois, ele amenizou os seus ataques, e chegou até a ficar quase simpático para conosco.

Clovis, o técnico de som que trabalhava conosco nos ensaios, e na produção da demo-tape, não acreditava nas asneiras que o português falava ali, e ria muito das brincadeiras, principalmente que o Beto fazia para neutralizar os ataques do "gajo".  

Certa vez, entrou no estúdio com um exemplar da revista Playboy em mãos e ao exibir-nos o poster da garota do mês, executou a seguir uma performance "sensual", a dançar de forma lasciva e bem feminina, para nos provar que ele era muito melhor que ela, a peladona da revista... e saiu aos gritos do estúdio a afirmar que ele seria mesmo, muito melhor em sua avaliação. Foi difícil voltar a ensaiar depois disso, dada a epidemia de gargalhadas que tal ato patético, gerou...

Ele tinha duas filhas, que eram jovens e muito bonitas. Essas garotas faziam Backing Vocals nas apresentações do pai, mas nitidamente sentiam vergonha de seus excessos.  Então, feito esse aparte retroativo, volto ao início do capítulo, quando mencionava um acontecimento social perpetrado pelo Studio V, onde fomos inseridos a participar.  

Foi o seguinte: a Sonia produziu um cocktail para anunciar publicamente o cantor lusitano como o novo contratado da produtora, e lá fomos nós ao Caesar Park Hotel, um hotel de luxo localizado na Rua Augusta, a participar disso.

É verdade, ela conseguiu atrair uma quantidade bem significativa de jornalistas para cobrir o evento. Esmagadoramente, eram setoristas de TV, acostumados a acompanhar esse espectro artístico a conter atores de novelas, e cantores populares do mundo dos programas popularescos e estações AM de rádio. No entanto, foi o tal negócio: não rejeitávamos nada e assim, não tivemos preconceito em estarmos também presentes nesse mundo, desde que não interferissem em nossa música e visual pessoal.

O cocktail foi bem produzido, não posso negar (a considerar a recepção dos convidados, e o comes & bebes oferecidos pelo Buffet), e o salão de festas desse hotel, aliás, era bem badalado nessa época.

Contudo, a apresentação do cantor, acompanhado de suas filhas, foi bastante constrangedora. Primeiro, por que foi na base do abominável, "play back". O segundo ponto, por não ter  um palco propriamente dito, mas um tímido praticável, talvez conveniente para um discurso de um palestrante, apenas, mas ridículo para uma apresentação musical, mesmo informal, e nessas condições de playback. Em terceiro lugar, pela ausência de uma iluminação, mínima que fosse, pois na luz branca ambiente, tornou a performance ainda mais difícil de se suportar.


Alheio à isso tudo, o cantor teve uma atuação histriônica para interpretar a sua música Pop de baixo nível e deveras insossa. As suas filhas, que chamavam a atenção pela beleza, estavam muito constrangidas, e ainda mais quando o pai lhes exortava a se entregarem mais à performance, e até que sensualizassem, ato vexatório que se recusaram a cumprir. 

Não deu para acreditar que os nossos empresários estivessem eufóricos por contratar um artista tão duvidoso assim, mas o fizeram.  

Pouco tempo depois, contratariam um outro artista, não da área musical, mas este realmente famoso e com os seus muitos méritos. Desta feita porém, ficou claro que este ator/comediante seria tratado como a estrela da companhia. Depois que gravamos a demo-tape, e os procedimentos de entrega do material à gravadora Warner foram formalmente feitos, essa prioridade com tal artista escancarou-se, definitivamente. Falarei sobre ele e outros fatos correlatos de outubro, nos próximos capítulos.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário