quinta-feira, 18 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 319 - Por Luiz Domingues


Mais tranquilo internamente por estar ali, e a minimizar portanto uma angústia pessoal que comecei a nutrir desde a hora do almoço (quando soube da greve dos ônibus, ao assombrar-me sobre um possível e vexatório atraso logo na primeira reunião com os empresários que poderiam mudar a minha vida/nossa vida), tentei recompor-me ao máximo, ao mudar o meu semblante para poder entrar na sala de reuniões, com uma boa aparência e autoconfiança.

Fomos chamados enfim, e quem falou conosco foi uma mulher que aparentava estar na faixa dos cinquenta anos de idade, chamada Sonia, acompanhada de seu marido, um rapaz bem mais novo do que ela, chamado, Antonio. Ambos se apresentaram como sócios, e se diziam produtores teatrais com larga experiência no ramo, tanto com muitas peças montadas no currículo, quanto pelo agenciamento individual de atores, a alavancar carreiras para esses artistas. 


Comunicativos a bem articulados, fizeram o discurso padrão que se espera em uma primeira abordagem, a enaltecer as qualidades do "Studio V", e sobretudo, para alimentar a ideia de que estavam aptos para gerenciar a nossa carreira com tranquilidade, rumo ao universo mainstream, graças aos contatos que detinham supostamente no mundo fonográfico e empresarial do show business, além da mídia mainstream. De novo falaram sobre uma misteriosa pesquisa realizada, mas sem especificar nenhuma metodologia convincente sobre como a realizaram, se é que a fizeram, e mais que isso, como chegaram ao nosso nome. 
Encerrado o discurso de apresentação, fomos conduzidos à uma pequena visitação para conhecer as dependências da organização e de fato, mais que o discurso padrão de vendedor de uma ideia, que fora proferido no gabinete de reuniões, foi ali que realmente nos impressionamos, pois pareceu que estavam realmente estruturados para trabalhar, a julgar pelo que observamos. Claro, o grande trunfo seria o estúdio, e de fato, este era novo em folha, com estrutura de acústica, técnica e equipamentos disponíveis, muito melhor que qualquer estúdio de médio porte que conhecíamos, e realmente a aparentar só perder mesmo para grandes estúdios sedimentados no mercado. 

A perspectiva de gravar à vontade, e assim podermos produzir demos com o material novo, mediante qualidade de áudio o suficiente para se mostrar para as gravadoras majors, já teria sido muito sedutora. Sobretudo com a calma para gravar, um fator que soava como um luxo inatingível para nós que éramos uma banda independente, e sem grandes recursos monetários para investir como sonhávamos.

Portanto, não direi que foi o único fator que nos impressionou nesse primeiro contato, mas certamente que foi o principal, pelo menos na primeira avaliação. Mas não existia somente o estúdio de gravação, onde aliás conhecemos o seu técnico, funcionário exclusivo e disponível ali todo dia, um rapaz chamado: Clovis Roberto da Silva, com o qual faríamos amizade bem facilmente, em num futuro bem próximo.

Existiam ali, outras dependências que nos impressionaram. Por exemplo, uma imensa discoteca, onde estava alojado o acervo de LP's e compactos de vinil da coleção pessoal de Miguel Vaccaro Netto.

Através de uma saleta equipada com equipamento Hi-Fi de muita qualidade, havia milhares de discos, que também em outras ocasiões futuras, já como contratados da empresa, pudemos usufruir. Segundo a Sonia, o Miguel queria que os seus artistas buscassem inspiração naquele gabinete de audição, e de fato, o acervo ali impressionava. Um outro gabinete amplo e muito bem decorado ao qual fomos conduzidos, segundo Sonia e Antonio, ou Toninho, como ele mesmo se apresentou e queria ser chamado por nós, seria para que os artistas do escritório recebessem jornalistas para conceder entrevistas. 

Nessa altura, meio de 1986, já havíamos concedidos inúmeras entrevistas para órgãos de imprensa impressos, além de aparições na TV e entrevistas de rádio, portanto, estávamos bastante familiarizados a lidar com a mídia, mesmo sendo uma banda fora do esquema mainstream. Porém, a ideia de passar a receber jornalistas através de um gabinete elegante e exclusivo para tal finalidade, nos pareceu algo muito requintado, ao ponto de estimular a nossa imaginação no sentido de que estávamos para entrar enfim, em uma estrutura semelhante à da Apple, dos Beatles, onde, nesse caso, a ideia fora agrupar todo o aparato gerencial daquela super banda em um escritório multifacetado. E claro que isso impressionara. 
Foto meramente ilustrativa, mas que retrata uma certa semelhança com a sala em questão que descrevo, mediante ambientação de sala de estar, confortável, porém reservada 

Havia um estacionamento exclusivo; serviço de cozinha, recepção, os gabinetes de Sonia & Toninho, além de um gabinete master, ocupado pelo presidente da empresa, que não conhecemos nesse primeiro dia, mas em breve, o conheceríamos, com uma certa pompa, eu diria.

Aliás, a visita ao gabinete master foi envolta sob uma certa aura de suspense, a se gerar um mise-en-scenè, que Sonia e Toninho fizeram, talvez amparados no fato de que estavam acostumados a lidar com o meio teatral, e tal glamour talvez fizesse parte da estratégia para nos impressionar, ou seja, é claro que foi essa a intenção. 


Outros pontos levantados nesse primeiro dia de reunião: eles tinham outros artistas contratados e queriam uma banda de Rock para entrar nesse nicho do mercado, também. Por exemplo, segundo nos disseram, havia uma banda de reggae, e uma cantora de MPB. Haviam planos para conter também, uma banda de bailes, e muito provavelmente um cantor ou cantora baseado na seara da Pop Music mais a pender para o mundo popularesco.

Enfim, esse foi o contato inicial com o "Studio V", e claro que ao sairmos dali, nos animamos a aprofundar a negociação, pois tudo nos levara a crer que ele tinham mesmo a estrutura e boas credenciais alardeadas para suprir exatamente o que mais necessitávamos naquele momento ótimo em que nos encontrávamos, isto é, o poder de aproveitar ao máximo as oportunidades que estavam a nos catapultar naturalmente, e com uma força a mais, a nos levar enfim para o mainstream. Então, ao pensar nesses fatores, é claro que achamos que o "Studio V" representaria tal plataforma de impulso definitiva para tal ação que almejávamos. Porém, não foi tão imediata assim a nossa associação ao escritório. Outras conversas e estudos de ambas as partes ocorreram antes de assinarmos o contrato para selar o negócio.



Continua... 

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