Fiquei muito contente sobre a abordagem alvissareira da parte dessa velha amiga e produtora, e assim nós marcamos um encontro em seu escritório, localizado na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo.
Não se tratava de um
escritório exclusivo de sua parte, mas de uma produtora de vídeo, onde ela
trabalhava naquela atualidade, como diretora. Tal empresa costumava
realizar trabalhos para duplas sertanejas emergentes e a minha amiga
trabalhava ali por ter adquirido experiência de lidar com esse espectro
de artistas popularescos, visto ter atuado por anos em gravadora major e
a lidar com esse tipo de artista.
Tal pessoa se tratava de uma produtora e amiga que eu muito admirava, chamada: Cida Ayres.
Sou
o primeiro da direita para a esquerda, a usar chapéu de cowboy, nessa
foto do Língua de Trapo publicada em um jornal em 1984, época em que Cida
foi o nosso "anjo da guarda" como produtora eficiente da nossa banda
A minha
lembrança da Cida era a melhor possível, pelo fato dela ter sido uma
produtora com enorme capacidade, a denotar muita praticidade e iniciativa para
resolver inúmeros problemas do cotidiano da banda, com uma dose de criatividade e
boa vontade, exemplares, quando a conheci por ocasião da minha segunda
passagem pelo Língua de Trapo, entre 1983 e 1984.
Além disso, na ocasião ela simpatizou com minha outra banda, A Chave do Sol e muito auxiliou-nos, ao dar-nos dicas preciosas e até a interagir pessoalmente em muitas ocasiões, por facilitar-nos contatos preciosos que ela detinha na mídia e no mundo empresarial.
Cida Ayres
foi o braço direito do empresário, Jerome Vonk, e ficara nítido o quanto
a trabalharem em dupla, funcionavam bem em favor do Língua de Trapo. Dessa
forma, reitero o que já disse no capítulo sobre essa banda, ou seja, os agradeço muito por isso.
Portanto, tantos anos depois, não tendo visto outros trabalhos que eu fiz nesse ínterim, foi muito gratificante para a minha pessoa que Cida redescobrisse-me e a atuar com uma banda que mantinha um espectro artístico com potencial para flertar com o mainstream, além da substância musical, poética e categoria & experiência de seus componentes, individualmente a se destacar.
Cida
conhecera-me muito jovem e nesse reencontro de 2010, eu estava com um acúmulo de experiência
enorme, com então discos discos lançados no mercado e o meu portfólio pessoal
tornara-se gigante.
Portanto, muito animei-me com esse contato, evidentemente.
Still do vídeoclip de "Régui Spiritual", do Língua de Trapo, filmado em 1984. Sou o primeiro à esquerda.
Quando lá
cheguei, confraternizamo-nos, a conversarmos sobre os velhos tempos do
Língua de Trapo e A Chave do Sol, naturalmente, mas ela também contou-me
sobre os anos e anos que trabalhou em gravadora major e a experiência
que acumulou ao ter sido assessora de artistas mainstream do mundo sertanejo,
ao dirigir pessoalmente a construção de carreira desses artistas.
Confirmou portanto, o que eu já intuía, a dar conta de que salvo algumas raras exceções, a maioria desses artistas populares construídos por grande empresários e com respaldo de gravadoras major, continham baixo nível educacional e cultural, portanto deram-lhe um trabalho muito grande em sua "construção de carreira".
Sobre o
Pedra, nesse contato inicial, ela explicou-me bem que desde que havia
deixado uma gravadora major, não trabalhava mais diretamente com música
e que agora nessa produtora de vídeo, o seu contato era mais indireto,
a tratar de administrar o negócio, apenas no campo das negociações com a equipe de artistas que os procuravam, a visarem filmarem vídeoclips e/ou
DVD de shows ao vivo.
Mas ela afirmou que pensaria em ajudar o Pedra, certamente. Deixei-lhe o material de portfólio e os dois álbuns da banda, naturalmente. Falei-lhe também que uma pessoa amiga da banda estava a tentar inserir-se no mercado como produtora, para ajudar-nos.
Se tratava de Cida Cunha, que auxiliara-nos
por ocasião de nosso show no Sesc Vila Mariana em maio último e agora
estava a tentar arrumar-nos novas oportunidades nessa instituição,
ao visitar várias unidades dela, e assim a entregar o nosso material nas mãos de
produtores artísticos dessa instituição.
Ao pensar que a Cida Cunha não detinha experiência alguma como "agente", mas demonstrava uma força de vontade extraordinária para tentar cumprir tal missão e auxiliar-nos, eu perguntei para a sua xará, Cida Ayres, se ela não importar-se-ia que eu levasse-a comigo na próxima reunião que teríamos, dias depois, para ela dar-lhe algumas dicas.
E assim, alguns dias depois, lá estávamos nós, Cida Cunha e eu, diante da minha velha amiga Cida Ayres, em seu escritório.
Cida Ayres disse-me que gostara dos nossos discos, mas considerou difícil nós pleitearmos espaço no mundo mainstream com esse material. Muito experiente nessa altura dos acontecimentos, tal afirmação não surpreendeu-me, é claro.
Fazia tempo, muito tempo que a difusão mainstream estava circunscrita ao
mundo popularesco como a caracterizar um monopólio total e artistas como nós, 100% antagônicos
ao tipo de artistas que professavam tal ditame, não tinham chance
alguma.
Mas qualquer brecha, mínima que fosse, seria bem vinda e nós tínhamos músicas no nosso repertório que poderiam serem absorvidas tranquilamente no mundo mainstream.
Músicas como: "Sou Mais Feliz", "Nossos Dias", "Meu Mundo é Seu", "Amanhã de Sonho", "Só" e até a versão de "Cuide-se Bem" (ao se considerar como ressalva o fato de ser "pesada" em relação à versão original do Guilherme), foram exemplos disso.
Então,
ao se mostrar muito generosa, Cida Ayres apanhou a sua agenda pessoal e deu vários
telefonemas ali mesmo na nossa frente, para contatos muito fortes que ela detinha nos
bastidores de programas de rádio e TV mainstream e a usar fortemente a sua
influência, falou com pessoas que lideravam tais produções,
a apresentar o Pedra como uma banda que ela recomendava com ênfase etc.
Saímos do escritório com vários endereços anotados para enviarmos material pelo correio, direcionados para os contatos de Cida Ayres e claro que animamo-nos.
Um só desses programas que desse-nos uma chance, teria sido uma oportunidade de ouro para termos uma exibição mainstream sem jabá e isso teria sido extraordinário como ajuda.
Claro que
eu sabia que a difusão cultural mainstream estava toda comprometida há
anos, pela máfia do jabá. Contudo, nutri uma mínima esperança de que
através de uma produtora como Cida Ayres, que mantinha contatos sólidos
nesses bastidores, ao menos uma pequena brecha surgisse, baseado na
relação de prestígio pessoal que ela mantinha com tais produções desses programas.
E havíamos tido um pálido exemplo disso, quando ainda em 2010, um e-mail que veio da Rede Globo sondou-nos sobre a possibilidade da música: "Sou mais Feliz" fazer parte da trilha sonora de uma novela nova que estavam a preparar.
O iluminador Wagner Molina havia entregue o nosso material nas mãos de produtores da Globo, lá no Rio de Janeiro e daí o contato feito. Eles chegaram a enviar-nos uma minuta de contrato e um manual de regras da sua corporação, como por exemplo, a obrigatoriedade de regravarmos a música em estúdio estipulado por eles e sob a tutela de um produtor musical a opinar no arranjo e resolução de áudio, além de deixar claro que fariam versões incidentais de trechos da canção para serem usados em ocasiões diferentes nos capítulos da novela, além do regulamento sobre os direitos do fonograma, para que entrasse no setlist dos CD's oficiais a serem comercializados com a trilha da novela.
Deixaram-nos
claro que aquele contato foi apenas um aviso prévio e que outras quatro canções
estavam a serem analisadas simultaneamente para ocupar uma única vaga. Nunca mais mandaram-nos
e-mails doravante e assim deduzimos que escolheram uma outra canção, naturalmente.
No entanto, ficou-nos essa impressão, ou seja, sim, estava tudo dominado dentro do esquema, mas haviam brechas mínimas ainda para "outsiders", portanto, de minha parte, eu interpretei que algum contato da Cida, baseado em seu prestígio pessoal com essas pessoas, frutificaria.
E houve nesse bojo, contatos considerados como "peso-pesado" como o "Programa do Jô" e o "Altas Horas", do Serginho Groisman, entre outros. Enfim, enviamos o material pelo correio, mas nenhuma resposta veio..
Isento a
Cida Ayres desse fracasso, é claro, afinal de contas não era novidade
alguma que a difusão cultural mainstream estava comprometida pelo odioso
esquema de cartas marcadas.
Uma última ação de boa vontade da parte da Cida Ayres, deu-se quando eu percebi que ele frustrara-se também pelos seus contatos ignorarem-nos retumbantemente.
Em meio a uma última reunião, em que visitei-a em seu escritório, ainda em 2010, ela mudou o tom da conversa e passou a falar-me sobre "gestão de carreira", baseada na experiência que adquirira ao cuidar da imagem de duplas sertanejas através de uma grande gravadora major, em que trabalhara nos anos noventa.
Pelo teor da conversa, pela qual falou-me sobre como as duplas sertanejas emergentes ficavam excitadas por saírem de remotas cidades interioranas, notadamente do estado de Goiás, para tomarem "banho de loja e cabeleireiro" em São Paulo, geralmente bancadas por mecenas, fazendeiros e industriais ricos desse estado citado, eu notei que a sua intenção foi emitir uma mensagem subliminar sobre o Pedra e a minha figura em si, como um artista já veterano e fora desse padrão em 2010.
Tudo o que
ela observara foi extremamente realista e a sua intenção se revelou como a melhor
possível ao considerar que estava a orientar-me sobre a realidade, mas ao mesmo tempo,
eu sabia dessa prerrogativa há anos e a minha/nossa arte não era feita para atender
tais propósitos nada nobres, na contrapartida.
Nessa hora, eu percebi também que ela estava contaminada por uma visão da música, sob o ponto de vista mais mercadológico e distante da arte possível, fruto de anos e anos a manter contato com gente dessa mentalidade ou seja, pessoas que apostam apenas no popularesco como material artístico a ser difundido e sobretudo, sem nenhuma preocupação com arte, para tratar a música como um produto barato de gôndola de supermercado.
Portanto, "gerir carreira", passa ao largo de preocupar-se com a música em si, mas trata-se na verdade de levar ex-bóias-frias ao estrelato, "a construir as suas carreiras" baseados em ternos caros das lojas de luxo da Rua Oscar Freire, tão somente.
Nesse
parâmetro, é claro que o Pedra não tinha perfil para encaixar-se nem em
1%, e ainda a pensar nesses termos, e enxergar pelo meu estado pessoal humano naquele
instante, a já adentrar a faixa dos cinquenta anos de idade, com o cabelo e a
barba a ficarem grisalhos, barriguinha proeminente, em suma, a denotar um aspecto de
"tiozinho", batia ipsis litteris com a experiência que eu tivera poucos
anos antes, quando uma produtora da Rádio Gazeta FM e totalmente dentro
dessa mesma mentalidade, falou-me que não acreditou que eu fosse
artista, mas pensou que eu estava ali como empresário de um artista popularesco qualquer.
Para resumir: BB King não teria chances com essa gente e que dane-se a música.
Bem, pessoa boníssima, Cida ainda tentou dar-nos uma ajuda, ao alegar que desejava conhecer os demais membros da banda e daí manter uma conversa conosco.
A sua última cartada seria apresentar-nos ao produtor Liminha, para tentar ajudar-nos. Eu não lhe disse nada, mas a despeito de respeitar muito o Liminha como músico e produtor, eu sabia também que sua mentalidade estava fechada com o sistema desde o fim dos anos setenta e ele não aguentaria ouvir nem dez segundos de qualquer música nossa, mesmo as nós considerávamos mais "Pop", na nossa concepção, que certamente era muito diferente da visão dele.
Sob um gesto
de boa vontade mútua, marcamos um encontro no estúdio Overdrive, mas ela
não foi, simplesmente. Isso aconteceu no início de dezembro.
Acho que por conta da sua consciência, ela se sentiu incomodada ao notar que não estava a ajudar-nos, mas ao mesmo tempo ela sabia que seria inútil tentar ajudar uma banda que na sua concepção tinha uma obra, imagem e mentalidade tão distante das condições mínimas que esperava-se de um artista que pleiteasse o mainstream, que não valeria a pena tentar-nos persuadir disso, ao levar em conta que éramos homens maduros, e no meu caso, já a enveredar-me para a terceira idade.
De nossa parte, nós não tínhamos nenhuma ilusão a respeito. Apenas achávamos que poderia haver uma pequena brecha para nós e isso poderia ajudar-nos a termos um pouco mais de exposição para entrarmos de vez no circuito de shows no Sesc, mas sem sonhar com a fama popularesca, a tocarmos para multidões de cinquenta mil pessoas em festas de rodeios agropecuários, como esses aspirantes a famosos como duplas sertanejas sonham, costumeiramente.
Bem, o fato dela não ter ido visitar-nos ao final de 2010, em nada abalou a minha admiração e gratidão por tudo o que ela fez de bom para a minha carreira nos meus tempos com o Língua de Trapo e A Chave do Sol e inclusive essa boa vontade em ter tentado ajudar o Pedra.
Sou muito grato à Cida Ayres, por ela ter tido esse gesto também para com o Pedra, tantos anos depois.
Continua...
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