sábado, 16 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 137 - Por Luiz Domingues


Passado esse show de março no Central Rock Bar, nós iniciamos a nossa gangorra de contradições novamente. 

Ao se fazer o balanço das adversidades sofridas, ficara óbvio que o Pedra não tinha um perfil artístico que desse-lhe a versatilidade para tocar em casas noturnas não adequadas para um som com a nossa complexidade instrumental e sobretudo pelo texto a ser conferido através das letras. 

E diante dessa conclusão, imbuímo-nos da convicção de que não valeria a pena insistirmos em tocar em casas noturnas desse tipo, independente de haver ou não qualidade na infraestrutura oferecida, caso das unidades do Vila Dionísio onde tocamos no interior, e portanto, a tratar casos como o do Central Rock Bar de Santo André-SP, como uma agravante pelo equipamento inadequado. 

O que foi comum nos três casos, se tratou da falta de interesse do público em geral que frequentava normalmente tal tipo de estabelecimento, em clima de "balada" e não para consumir música autoral complexa, sedento por arte, música e cultura, como gostaríamos que fosse, como quem vai prestigiar um artista no teatro.

Menção honrosa ao Central por conter uma ambientação mais Rocker, é bem verdade e apesar dos pesares, o público presente gostou do nosso show (ao contrário das unidades do Vila Dionísio, onde a qualidade sonora e de iluminação foram melhores), mas frustramo-nos em ter à nossa disposição uma sonoridade ruim e escuridão, portanto, condições inadequadas para darmos o nosso melhor ao público. 

Quando chegávamos à essa conclusão, vivíamos a convicção de que a solução seria termos paciência e assim esperarmos para termos uma oportunidade melhor ou seja, experimentávamos o outro lado dessa gangorra emocional angustiante que permeou a história do Pedra, de 2007 em diante, praticamente.

E quando chegávamos nessa conclusão, restava-nos pensarmos em dar vazão à energia acumulada ao compormos músicas novas. E mesmo ao termos o CD Pedra II ainda muito presente em nosso imaginário e dos fãs do trabalho, o fato foi que nós começamos a trabalhar em novas ideias e uma nova safra de composições começou a nascer nesse exato instante.

Por exemplo, Rodrigo mostrou-nos um riff que estava a trabalhar sozinho em casa e que agradou-nos sobremaneira. Pareceu-nos algo bem regional, com sabor nordestino, mas com nítida pegada Rocker, meio psicodélica, ao remeter aos compositores "malditos" da psicodelia nordestina, ao estilo de artistas como "Zé Ramalho", "Lula Cortes", "Geraldo Azevedo", "Alceu Valença", "Belchior" e "Ednardo", para citar alguns apenas. 

Gostamos muito do riff e ao realizarmos jam-session, o Xando sugeriu uma parte "B" mais próxima do Rock, urbana e nitidamente influenciada pelo "Led Zeppelin". Tal junção aparentemente dispare, casou-se de uma forma muito feliz ao meu ver. 

A trabalhar na letra e melodia, o Rodrigo trouxe uma opção que teria tudo para desagradar-me e ao Xando, igualmente, mesmo por razões diferentes, baseado em nossas respectivas percepções pessoais e creio que eu já tenha explicado isso em capítulos anteriores.

Ao resumir para o leitor relembrar: no meu caso, eu tendo a não gostar de regionalismos criados por artistas que não tem aquela realidade como verdade em sua vida. Como paulistanos, ultra urbanos que somos, eu não aprovava a ideia de letras a usarem expressões regionais e maneirismos de outras regiões do país onde não nascemos ou vivemos, portanto, ao subtrair assim a "verdade" expressa na poesia & melodia entoada.

Já o Xando, mostrava-se avesso a essa questão, mas não a ater-se ao meu ponto de vista, mas por simplesmente preferir temas existenciais em suas letras.

                          Ilustração de Cordel, por J. Borges

Enfim, fomos dois opositores contumazes para bloquear a tendência do Rodrigo a recorrer a esse tipo de expediente rural que ele apreciava, mas quando ele mostrou-nos a letra, ficamos impressionados pela sua qualidade. 

Sim, foi praticamente uma abordagem de literatura de cordel, ultra nordestina e distante da nossa realidade/verdade cultural, mas de uma beleza incrível no jogo de palavras e imagens propostas na poesia. 

Revelou-se como irrecusável, portanto, e assim nasceu: "Queimada das Larvas dos Campos Sem Fim", que de tão forte que ficou em seu arranjo final, incorporou-se imediatamente ao repertório dos shows e tornou-se querida de nosso público, instantaneamente.

Quando o arranjo foi finalizado, ficamos com a impressão que tal canção seria uma "colisão", no bom sentido do termo, entre o som do Zé Ramalho e do Led Zeppelin, com partes distintas, mas que complementavam-se de uma forma até mágica.

Outra canção proveniente dessa nova safra, "Pra Não Voltar", mostrara-se como um Hard-Rock muito vigoroso, cheio de partes interessantes compostas pelo Xando e com forte influência setentista.

O Xando logo demonstrou um grande apreço pela letra que escreveu e particularmente eu não gosto dessa abordagem, pela sua visão "Bukowskiana" da vida. Segundo ele, tratava-se de uma história baseada em fatos reais, sobre um amigo que teve problemas para se livrar da dependência das drogas e a letra versa sobre o tema, a falar sobre a angústia a gerar a sensação de vazio desse rapaz entregue ao vício, em meio a um quartinho fétido de um hotelzinho de quinta categoria no centro da cidade. Não é o tipo de imagem/abordagem que eu gosto, pela obviedade de ser antagônica aos meus princípios, mas admito que a música ficou boa. 

Uma terceira canção que surgiu nessa época, outra ideia boa do Xando, transformou-se em um Hard-Rock muito bem engendrado, com muita substância nos arranjos, a transitar entre o "Led Zeppelin" e o "Deep Purple", com bastante intervenção de teclados etc.

Tal canção chegou a ser gravada posteriormente, mas só ganhou uma letra muito tempo depois e lamentavelmente não entrou no disco "Fuzuê" de 2015, tampouco foi lançada como single. 

Lastimo, pois é uma canção forte com ótimos arranjos individuais e coletivos e tem grandes momentos de inspiração que tenho certeza, provocariam comoção entre os fãs. Torço para que o Xando a lance um dia. 

Mais uma que veio da criação do Xando, demorou um pouco para ganhar contornos finais e quando ficou pronta, revelou-se como bastante cerebral, eu diria, pois contém uma certa influência do Jazz-Rock e o Prog-Rock setentistas, mas com diversos elementos Hard-Rock, também. 

Em um dado instante, o Xando teve uma ideia inusitada sobre a conclusão de sua letra e nós aprovamos tal resolução. Ele propôs que cantássemos através de uma língua estrangeira, para gerar um efeito diferencial, muito mais que querer com isso se atingir o mercado internacional. Sob uma primeira instância, cogitou-se a obviedade do idioma inglês, mas a seguir, ele teve uma ideia melhor ao meu ver, ao sugerir o espanhol/castellaño.

De minha parte, eu sempre quis ter uma música jogada no meio do repertório, cantada em um idioma estrangeiro, como fator de diferenciação. Sei que isso não seria uma ideia original, muitos artistas já haviam feito isso antes, caso dos Mutantes, por exemplo, que mantinham peças em espanhol, inglês e francês, no seu repertório clássico.

No meu caso, eu cheguei a sugerir, no meu tempo com a Patrulha do Espaço, que aproveitássemos algum tema de estilo progressivo para inserirmos uma letra em italiano, a uma fazer clara aos artistas de Rock Progressivo italiano que gostávamos, e na ocasião, Marcello Schevano, Rolando Castello Junior e Rodrigo Hid apoiavam-me na ideia. Não surgiu a oportunidade, mas teria sido lindo... auguri...

Então o Xando propôs criar em espanhol e a evocar assim as suas raízes oriundas da sua família materna com descendência espanhola, e as lembranças de seu avô/abuelo e as tias-avós espanhóis, ao buscar trazer o sotaque ibérico que ecoava nos seus ouvidos desde a tenra infância etc. Apesar de ser italiano por parte paterna, o lado materno espanhol calava mais fundo na sua formação e assim ele cravou em escrever algo na língua de seu "abuelo".

Nasceu assim: "Mira", uma música nervosa em linhas gerais e cantada aos gritos, mediante um espanhol não muito convincente da parte do Xando, mas gramaticalmente todo checado, isso eu asseguro. 

Uma quarta música nasceu dessa safra, mais uma ideia do Xando. Quando ele mostrou-nos o seu esboço ao violão, pareceu-nos uma balada quase Blues e eu gostei muito da sonoridade que remetera, ao menos na minha percepção pessoal, aos compositores ditos "malditos" da MPB setentista e que mantinham aquele pé no Rock e aura hippie e contracultural que eu aprecio muito.

Gostei muito da harmonia, melodia e do primeiro esboço de letra, ainda que a temática mais uma vez não agradasse-me, pois foi o enfoque novamente de uma visão de mundo que eu não aprovo, com aquela quase subserviência à comodidade diante de uma vida mundana, hedonista e tudo mais, com a ressalva que neste caso, foi quase um lamento da personagem em torno de suas más escolhas na vida. 

Sob um primeiro esboço, a parte "B" que ele concebera, era idêntica à cadência harmônica de uma música da carreira solo do George Harrison.

Eu o adverti disso e mediante a audição a procurar no Google, ele constatou e a suprimiu, mas com pesar, pois já havia acostumado-se a essa resolução harmônica. 

Demorou dias para se buscar uma outra inspiração e  neste caso ele chegou a dizer-nos que engavetaria a canção, frustrado com a sua não conclusão, mas nós o incentivamos a não desistir e ainda bem, ele não a descartou, pois assim que ele achou uma solução alternativa para construir uma parte "B" inédita, nasceu a canção: "Só", um tema forte, muito bonito e que o público do Pedra passou a acompanhar com muito entusiasmo nos shows, doravante.

E finalmente, houve uma música do Rodrigo, denominada: "Amém, Metrópolis", que foi incorporada ao repertório do Pedra, embora a sua concepção inicial não tenha tido essa finalidade.

                               Lu Vitti, cantora e atriz

Explico: tal canção fora composta originalmente para fazer parte de um CD que Rodrigo e Xando tencionavam produzir para a cantora & atriz, Luciane Vittaliano, ou Lu Vitti como ela é conhecida atualmente (2016). 

Nessa época, a Lu era casada com Rodrigo e estava focada em lançar um disco solo. Mas tal produção acabou por não lograr êxito, por motivos alheios a esta narrativa em si e não cabe explicação, portanto. 

Mas no que concerne-me, tal música ficou disponível e o Rodrigo a ofereceu para que entrasse em nosso repertório. Ele, Rodrigo e Xando a adoravam, mesmo por que estavam envolvidos com sua gravação para o álbum da Lu Vitti, há semanas.

    João Bosco, um compositor cerebral e violonista sui generis

Tratava-se de um samba bastante acelerado e técnico, com certa característica jazzistica e que lembrava, se tocada somente ao violão, o estilo do João Bosco, ou seja, uma espécie de Bossa Nova mais próxima do Rock, pela pegada tensa, do que ao samba tradicional. 

Quando mostrou-nos a música, nós gostamos e o nosso arranjo tratou de imprimir uma pegada muito forte sob influência Rocker e mesmo com o Rodrigo a ter feito a sua base com violão, a cozinha com pegada a lembrar a fúria dos Novos Baianos e mediante uma guitarra "Rock" imposta pelo Xando, tais acréscimos tornaram a música muito contundente.

A nossa aposta foi na surpresa que causaria aos fãs, pois tratava-se explicitamente de um samba, mas tocado por Rockers e com convenções complexas, claro que haveria de chamar demais a atenção. 

Outro fato interessante, tal canção tem uma letra com forte cunho sociopolítico, a criticar as falcatruas dos políticos e poderosos de plantão, portanto, nós a considerávamos muito forte. 

Mais músicas novas seriam compostas e arranjadas e esse foi o lado bom de ficarmos sem grandes perspectivas de shows, pois fechávamo-nos no Overdrive Studio, e criávamos novidades.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário