O acerto que Junior Muelas conseguiu com a direção das duas casas onde apresentar-nos-íamos, representara um pouco mais em termos financeiros, do que toda a nossa despesa logística para viajar à essas duas cidades interioranas.
Portanto, sob outras circunstâncias, seria bastante discutível aceitar-se tais condições, apenas baseado na efêmera perspectiva de angariar-se novos fãs e a se contar com um eventual apoio de mídia local.
Ao pagar-se um
aluguel caro para uma van servir-nos em uma micro turnê de cerca de mil
Km de rodagem, só mesmo pelo investimento concreto de carreira que foi era
estar inserido em uma mega reportagem de muitas páginas de uma famosa revista
semanal e com forte chance de ser a reportagem principal da edição, com
direito a capa.
Preparamo-nos a ensaiarmos um bom set list, ao estabelecermos um misto dos nossos dois álbuns já lançados e se houve uma coisa que não preocupava-nos, foi a parte musical.
Contratamos a van e mais uma vez o Rodrigo indicou-nos aquele senhor que levara-nos para Piracicaba-SP no ano interior. Tratou-se de um motorista bastante competente, seguro na direção, gentil no convívio e conforme eu já contei, quando empolgava-se, gostava de contar "causos" que são impublicáveis aqui, mas que invariavelmente tornava o percurso, um autêntico show de "stand up comedy", como bônus do seu serviço de transporte.
Sérgio Martins chegou na hora combinada, acompanhado de seu repórter fotográfico, um rapaz chamado, Otávio Dias, que esteve junto com ele nessa pauta e viajara com os outros artistas que mencionei antes em capítulos anteriores, também.
Seguimos viagem com muita tranquilidade, a assistirmos vídeos que o Xando levou de sua casa, mas muito mais focados em conversar. Paramos para uma recomposição estratégica na altura de Rio Claro-SP e a primeira ocorrência engraçada da viagem aconteceu sob uma árvore.
Estávamos do lado de fora do posto de combustível, quando esperávamos por alguns companheiros que ainda estavam a pagarem as suas respectivas contas do lanche que haviam feito. Lembro-me que eu estava com Xando e o roadie Edgard Veçoso (que substituíra Daniel "Kid" que não pode viajar conosco dessa vez), além do fotógrafo Otávio, da revista "Veja", quando alguns pássaros que estavam alojados na árvore resolveram despejar os seus dejetos escatológicos sobre nós, de uma única e súbita vez, como se fosse uma "molecagem" proposital.
Fomos ágeis e ninguém
sujou-se, mas a cena foi das mais hilárias, posso garantir. Nem o ator/diretor, Mel
Brooks
a parodiar Alfred Hitchcock, poderia conceber uma "gag" tão engraçada.
Seguimos em frente e quando a tarde começara a cair, avistamos a bela São José do Rio Preto-SP à nossa frente, com o seu porte de cidade grande mediante uma pequena selva de pedra urbana e bem proeminente.
Encontramo-nos com o pessoal da banda "A Estação da Luz" em um ponto previamente combinado e estes conduziram-nos como guias até a porta do estabelecimento.
Que prazer rever Junior Muelas, um amigo leal nos ideais
como poucos que eu conheci nesses meus tantos anos de carreira. Muelas é um
ferrenho Rocker aquariano e vive o sonho, não tenho dúvida disso.
Com ele, esteve presente a vocalista da banda e sua esposa, Renata Ortunho, que na época ainda era a sua namorada. Simpática ao extremo, foi (é) a companheira ideal que os Deuses do Rock designaram para Junior Muelas. Alberto Sabella, o tecladista da banda e um multi-instrumentista brilhante, na verdade, esteve junto também.
Descarregamos
a van e rapidamente fizemos o procedimento para o soundcheck. Com apoio
do equipamento d'A Estação da Luz e a sua camaradagem ímpar, foi tudo
muito prazeroso nesse processo, para atenuar o cansaço pela viagem e o
forte calor que fazia, marca registrada de toda aquela região do estado
e ainda mais por estarmos a viver o mês de janeiro... se tratou de um mormaço incrível.
Estabelecimento bem montado, pareceu ser a típica casa noturna que devia atrair a juventude burguesa da cidade e de localidades vizinhas. Mas Muelas garantiu-nos que apesar disso ser um fato, os Rockers locais a frequentavam também e que pelo fato dos proprietários serem generosos com a cena Rock autoral, havia uma tradição de shows de Rock na casa, apesar do seu aspecto burguês.
De fato, informaram-nos que os gaúchos do grupo "Cachorro Grande" haviam tocado ali há uma
semana antes com a casa lotada e a apreciarem o som deles, bem
influenciado pelos anos sessenta.
Enfim, tudo apontava para uma noitada prazerosa, com um equipamento de PA de boa qualidade e com a possibilidade do jornalista Sérgio Martins assistir uma boa performance nossa e também d'A Estação da Luz, que era (é) uma banda que eu gosto muito e sei que luta com enorme dificuldade para manter-se ativa em meio à uma cena hostil.
Bem, sobre esse panorama, nenhuma novidade para a minha existência, que na época já passava dos quarenta e oito anos de idade e a caminhar para os quarenta e nove.
Na viagem, Sérgio agiu como um amigo, a conversar e rir descontraidamente sobre vários assuntos que surgiram dentro da van, mas nesse instante ele nitidamente se colocou a trabalhar, pois observava tudo e eu o vi a fazer anotações.
O
fotógrafo, Otávio Dias flagrou-me a observá-lo e disse-me: -"o Sérgio
observa e anota tudo. Não se engane, pois no percurso dentro da van, ele
prestou atenção em todos os detalhes. Ele não para nunca de trabalhar,
mesmo quando parece relaxado e distraído".
Achei incrível, pois apesar de não haver formado-me, eu sempre admirei o jornalismo e o destino fez-me interagir com inúmeros profissionais dessa área, desde os remotos tempos da formação do Língua de Trapo, portanto, apreciei muito ver a metodologia de um jornalista da estatura profissional de um Sérgio Martins, em ação.
Brincamos
muito durante o percurso, sobre ele ser "o inimigo", ou seja, uma menção
aos jornalistas que costumavam cobrir turnês de bandas de Rock nos anos
sessenta e setenta e que o cineasta Cameron Crowe tão bem retratou no
seu filme autobiográfico, "Almost Famous" ("Quase Famosos"), ao contar-nos a sua
trajetória antes de se tornar um diretor de cinema, como crítico de Rock precoce da Revista Rolling
Stone.
O próprio Sérgio divertia-se com as piadas e brincava também, mas não deixava de ser lúdico estarmos a viajar com um jornalista de uma revista de primeira grandeza do mercado editorial brasileiro.
E mesmo que fosse a pauta focada no mote das comparações entre três artistas de condições muito diferentes do show business e não a nossa obra e performance em si, claro que gerou-nos uma expectativa sabermos que dois jornalistas estavam ali a cobrir e prestar atenção em tudo.
Feito o soundcheck, jantamos e fomos para o hotel para descansar e
arrumarmo-nos. O casal de
fãs fiéis do Pedra, Fausto & Alessandra Oliveira, viajou para ver-nos nos
dois dias e hospedou-se no mesmo hotel que nós. Foi impressionante a
fidelidade que demonstraram, ao estarem presentes em quase todos os shows
que fizemos, desde 2006, e até em cidades distantes de São Paulo, ambos não
furtavam-se à oportunidade de estarem sempre presentes e uniformizados,
a ostentarem camisetas com o logotipo da banda.
O grande,
Sergio Kaffa, já envelhecido, como o vi em São José do Rio Preto-SP, em 2009
Fomos enfim para
a casa noturna e logo que entramos, vimos que havia um ambiente
reservado ali no seu complexo, com uma outra banda a tocar. Se tratou de uma atração paralela que
tocava em um "lounge" distante do palco principal.
Reconheci no veterano baixista dessa banda, uma figura conhecida do Rock brasileiro setentista. Foi Sergio Kaffa, que tivera passagem pel'O Terço ao final dos anos setenta. Muelas falou-me que conversava sempre com ele, mas que ele mostrava-se arredio com Rockers que queriam que ele contasse-lhes histórias sobre os anos setenta. Bem, o negócio foi respeitar o sentimento dele, que devia ter os seus motivos para não gostar de lembrar do passado.
"A Estação da Luz" começou o seu show. Ao mesclar canções próprias do futuro CD que planejavam gravar, com vários clássicos do Rock brasileiro setentista, aos meus ouvidos e percepção, foi agradável ao extremo.
Sou suspeito para falar, pois conhecia bem os músicos, Muelas e Sabella desde 2001 e
agora com os ótimos: Vagner Siqueira no baixo e Christiano Carvalho na
guitarra, mais a voz doce de Renata Ortunho, o quinteto ficara ao meu ver,
simplesmente espetacular, pela excelência musical, acrescido das
intenções retrô que particularmente eu adoro.
Onde seria possível em uma casa noturna em pleno 2009, ouvir uma banda a tocar a música: "Os Pingo da Chuva" ("Pingo" no singular, de propósito), dos "Novos Baianos " com uma excelência dessas?
Falei para o Muelas depois do show da sua banda: -"não ouvia essa música a ser tocada ao vivo, desde os shows dos Novos Baianos que assisti nos anos setenta".
Foi um show impecável, a banda aqueceu bem o público, apesar de não terem comparecido muitos Rockers na casa e a predominância ser de playboys, ou "agroboys" como é comum no interior de São Paulo.
Chegara a nossa vez e ao vermos o Sérgio Martins a ajeitar-se em um lugar com boa visibilidade para assistir-nos e Otávio Dias com as suas câmeras a postos, nós começamos o nosso show...
Continua...
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