Fechado o repertório e bem ensaiados nessa questão dos arranjos semi acústicos especiais para a ocasião, só aguardamos as coordenadas do Sérgio Martins a respeito da produção do seu programa, Veja Música.
Seria
realizado em um estúdio bem montado no bairro da Vila Madalena, zona oeste de São
Paulo e na minha avaliação, mediante informações vindas da parte de
fontes minhas, tal estúdio teria como um dos seus proprietários, o
tecladista, Constant Papineanu, que fora componente do ótimo "O Peso", banda
brasileira seminal dos anos setenta.
Não recordo-me com exatidão da data, mas tenho certeza que ocorreu na primeira quinzena de dezembro de 2009. Uma van disponibilizada pela produção veio buscar-nos no estúdio Overdrive, o nosso QG, o que poupou-nos da penosa missão de irmos com carros particulares e nos desgastarmos com questões pueris como encontrarmos estacionamentos nas imediações, por exemplo.
O estúdio se mostrou amplo, com uma técnica à moda antiga dos estúdios de gravação, com o seu maquinário gigante, inúmeros paramétricos e uma mesa daquelas onde bastava uma rápida olhada e imediatamente vinha à mente um valor a demarcar milhares de dólares.
A produção da revista Veja alugava tal estúdio para a filmagem, com um suporte de áudio excelente para o artista apresentar-se bem e também terceirizava uma equipe de filmagem.
Quando
chegamos, fomos informados que outros artistas estavam filmar a sua
participação e demoraria um pouco para chegar a nossa vez. A dinâmica
ali foi gravar dois programas completos, a otimizar a utilização do
estúdio e equipe de filmagem.
E os artistas que estavam a filmar naquele instante foram: Zezé Di Camargo & Luciano, a dupla sertaneja mega mainstream.
A seu equipe de apoio se mostrara enorme. A tal dupla haviam dado-se ao luxo de usar um PA próprio, para prover a monitoração, idêntica a que estavam acostumados a ter em seus shows, com muitos roadies a trabalharem e também o seu técnico particular.
Não critico,
pelo contrário, apesar de ser exagerado (bem exagerado, por sinal), pois
o equipamento do estúdio era de primeira qualidade, eu mesmo, se estivesse no
patamar de condição deles, com dinheiro e status mainstream, faria o
mesmo, em prol da qualidade máxima do meu áudio.
E houveram os maneirismos típicos de artistas que habitam o mainstream, notadamente nesse universo da música popular-sertaneja, pois um verdadeiro séquito de funcionárias responsáveis pela imagem da dupla, estavam ali a trabalharem nesse sentido.
Eles montaram uma sala de maquiagem e cabeleireiro, além de uma verdadeira "lavanderia/tinturaria", em que duas mulheres responsáveis pelo figurino da dupla trabalhavam a todo vapor, a passarem os figurinos deles e a organizá-los em araras, ao parecer uma produção de desfile de modas.
O desafio de Sérgio Martins à dupla, foi interessante. Acusados de serem artistas popularescos a se aproveitarem da inocência da música de raiz caipira, caso da maioria dessas duplas que dominam a difusão cultural mainstream há anos no Brasil, Martins convidou-os a falarem sobre a verdadeira música caipira e não a pasmaceira popularesca que a maioria das duplas professava em suas carreiras e mais que isso, a cantarem os clássicos desse universo em arranjos absolutamente acústicos e condizentes com as suas tradições brejeiras.
O Rodrigo, que entre nós quatro, sempre foi o que mais interessava-se em música de raiz, foi assistir a performance da dupla, na técnica e voltou a nos dizer que o som estava super "redondo", como fala-se no jargão dos músicos, a denotar estar com qualidade.
Terminada a filmagem da performance musical da dupla e também o seu bloco de entrevista com Martins, aguardamos a lenta desmontagem do equipamento extra que eles haviam levado consigo.
Confraternizamo-nos com os músicos da sua banda de apoio, todos
gentis e sem estrelismos, que bom. Ficamos a a observar o trabalho da
equipe de roadies a transportarem os "cases" para o caminhão da dupla.
Perto de nós, pobre banda de Rock do mundo underground, aquela equipe da dupla parecia algo monstruoso a mostrar-nos a disparidade total que separava-nos de forma abissal.
Foi um bom "raio x" do que é ser artista no Brasil, mas não coadunado com a expectativa popular, todavia ao ir além, a mostrar claramente como no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, é impossível ter a sua dignidade respeitada fora do mainstream, portanto, por estarmos no "Veja Música" foi uma rara oportunidade pela qual não estávamos acostumados, muito diferente da dupla em questão que habitava (habita) o espaço de difusão de massa, há décadas.
Nada contra tais artistas, mas apenas a pensar como o Brasil é cruel nesse sentido, pois monopólio esmagador é um horror. Não acho que o Pedra poderia ser mega popular como uma dupla sertaneja, ao se levar em conta o nível educacional e cultural do povo brasileiro, mas deveria haver um espaço mínimo, onde artistas "outsiders" ao gosto popular pudessem atingir o seu nicho e possuir ao menos, uma difusão razoável que fosse, a gerar a possibilidade de subsistência através de um circuito mediano, mas com solidez sustentável.
Ajeitamo-nos com a nossa modesta equipe de apoio e ao usarmos o equipamento do
estúdio, sem nenhum problema, fizemos um bom soundcheck e sem direito a
pausa, por que com o sinal verde dos técnicos, a equipe de filmagem foi
orientada a entrar em ação.
Tocar uma canção amena como "Meu Mundo é Seu" nessa circunstância, veio a calhar, pois já tratava-se de uma canção com forte apelo à MPB e praticamente acústica em sua concepção final no nosso disco.
Com o Rodrigo a conduzi-la com um violão tradicional, com cordas de nylon, a sua base soava quase como uma Bossa Nova. O baixo e a bateria ao estilo comedido, e por isso, ao não se parecer nem de longe com uma cozinha de banda de Rock, voluptuosa como eu e Ivan formávamos normalmente e com o Xando a cumprir praticamente o seu arranjo de guitarra, delicado por natureza na gravação original e agora mediante um violão eletrificado, tal canção soou bastante leve, como queríamos para a apresentação.
Foi no nosso imaginário uma maneira também de mostrarmo-nos à um público imensamente maior do que o que normalmente conhecia-nos e acompanhava de uma forma despojada de preconceitos para quem tem visão deturpada do Rock, e espera uma outra coisa, quando dizemos sermos "Rockers".
Portanto,
foi uma forma de se angariar simpatia e até surpresa para pessoas que acham que
"Rockeiro" é um cabeludo retardado, que age como um adolescente
defasado e expressa-se a usar um vocabulário medíocre, fora a pobreza
do "malocchio", um paradigma dos mais infelizes, sem dúvida alguma.
Tocamos: "Filme de Terror" e mesmo sob um arranjo bem semelhante ao que fazíamos de maneira elétrica, por ter esse sabor semi-acústico, esta ganhou uma natural aura "Country Music".
Não que fosse a nossa intenção e esse estilo não fazia parte do espectro de influências básicas da nossa banda, mas os solos e dedilhados de contra-solos que os nossos guitarristas executaram, naturalmente trouxeram esse sabor à tal execução/ performance.
Foi uma
aposta boa na menção a um artista maldito da MPB setentista, e
possivelmente repercutiria bem para a imagem da banda, perante um imenso
público novo que conhecer-nos-ia através desse programa.
"Projeções" soou muito bem também, justamente por ter uma forte identificação com a música Folk, a emitir sinais de influências múltiplas dentro desse universo que é amplo por natureza, já que o conceito "folk", subentende raiz folclórica e isso, a se falar como musicólogo que eu não sou, mas tenho uma pálida noção, abre campo para várias interpretações sobre de onde vem as influências, etnicamente a se falar.
Portanto,
fora toda essa questão teórica, na prática, o que importara-nos ali, foi
a qualidade da canção, seu arranjo, interpretação e a letra
espiritualizada escrita pelo Rodrigo, que possibilitava-nos mostrarmos ao
grande público, uma outra nuance nossa, a denotar ecletismo artístico de
nossa parte.
E finalmente, por sugestão de Martins, tocamos uma releitura que o surpreendeu, mas que na hora, ao tocarmos pela primeira vez, não tivemos nenhuma noção de como repercutiria.
Fizemos um arranjo que privilegiou o uso do slide pelo Xando, ao dar à canção uma feição diferente de seu arranjo natural da parte do Guilherme Arantes, com o piano na condução básica, e a eletricidade da banda de apoio.
Chegamos a
cogitar fazer uma versão semelhante à original e o Rodrigo tocaria
piano sem problemas, mas prevaleceu a ideia de a executarmos com dois
violões.
Ficamos contentes com a performance e o resultado da captura ficou excelente, quando o conferirmos rapidamente na técnica, posteriormente.
Na hora da entrevista, eu vi que Xando e Rodrigo posicionaram-se para conversar com Martins e ingenuamente eu pensei que eu e Ivan gravaríamos um outro bloco em separado, para conversarmos em duplas, a visar não perder o foco da entrevista e não tumultuar.
Mas, ao término da filmagem do bloco com Xando e Rodrigo, percebemos que não haveria tal intenção da parte de Martins e de sua produção, portanto, sem problemas, na edição do programa apenas Xando e Rodrigo representar-nos-iam. Tudo bem, o recado seria dado com qualidade.
Informaram-nos que a mixagem do áudio da performance ao vivo da banda
ficaria pronta em uma semana, mas a edição do programa demoraria mais.
Segundo Martins, com festas de fim de ano, a tendência foi que o programa
fosse lançado apenas no início de 2010.
Estávamos muito felizes pela oportunidade e o nosso agradecimento ao Martins teve o peso da constatação que a sua lisura profissional como jornalista isentara-o totalmente de qualquer especulação de terceiros mal-intencionados, a acusá-lo maliciosamente como um protecionista, por escalar-nos para o programa, por ele ser nosso amigo.
Já o conhecíamos bem nessa altura e se convidou-nos, fora pela sua percepção profissional ao enxergar em nossa banda e no trabalho em si, qualidade. Isso animara-nos ainda mais, pois estarmos ali em um veículo de imprensa mainstream não foi uma oportunidade qualquer, mas praticamente uma deferência.
Começamos o ano de 2009 com um forte indício de que a Revista Veja dar-nos-ia um espaço sem precedentes na história da banda, mas que revelou-se em frustração, por motivos alheios à nossa vontade e do Martins, também. Agora, estávamos a encerrar o ano de 2009, com uma outra grande oportunidade no mesmo veículo e estávamos animados com tal perspectiva que fez com que o final de 2009 e início de 2010, tornasse-se alvissareiro para o Pedra.
Continua...
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