sábado, 16 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 142 - Por Luiz Domingues

Começamos a tocar e a reação do público se mostrou acima da nossa expectativa, pois para um contingente que nunca ouvira falar de nós, eles demonstraram estarem a gostarem da nossa performance. 

Com uma sinergia boa, o fato do som no palco estar muito abaixo do ideal em termos de monitoração, nem perturbou-nos, pois entramos em um embalo interessante de performance. Foi um show de choque (incrível, "bate e volta" com quase quatro mil Km e para tocar trinta míseros minutos) e já na primeira música, o Rodrigo ficou todo lambuzado de batom.

Um vocalista de uma banda "indie" que tocara antes de nós, estava muito maquiado e havia empesteado a cápsula do microfone. O Rodrigo não prestou atenção nesse detalhe e assim que começou a cantar, ficou todo manchado e quando acabou o show, um sujeito veio falar que achara a "atitude" do nosso vocalista incrível ao cantar maquiado... em suma, esses "indies" eram muito engraçados. 

Finalizamos o nosso show e arrancamos aplausos da parte de quem ali nos prestigiou. Se houve uma recompensa para uma loucura desse tamanho, creio que a reação daquela plateia tratou de pagar-nos. 

Cansados e com a obrigação de termos que acordar muito cedo para embarcarmos rumo a Brasília, assim que encerrou-se o show do Baranga, partirmos para o hotel, para tentarmos dormir por duas ou três horas, apenas.

Mas houve uma longa espera para a van que fazia o transporte para o hotel , aparecer, e assim, só ao término do show do B Negão conduziram-nos à van. 

Fomos para o hotel na companhia do guitarrista da banda de apoio desse artista e as ruas estavam completamente desertas nesse instante. Não dormirmos nada praticamente e ainda estava escuro quando estávamos a nos arrumarmos e com a van na porta do hotel, pronta para levar-nos para o aeroporto. 

Voamos para Brasília absolutamente cansados e desta feita, a conexão para São Paulo estava marcada para sair em um espaço de tempo curtíssimo em relação à nossa chegada na capital federal. 

Xando e Ivan eram fumantes inveterados (o Xando largou o vício tempo depois, ainda bem), e ambos saíram desesperados da aeronave para darem uma "tragada" no famigerado "bastão fedorento de antecipação da morte", e como para realizar tal desejo, eles foram obrigados a saírem do terminal, esses minutos perdidos nessa caminhada e tempo para fumarem um pouco, quase ocasionou que  perdêssemos a conexão.

Saímos em disparada com instrumentos e mochilas, mas os funcionários informaram-nos que o avião já estava a encerrar o procedimento de entrada dos passageiros e começaria a taxiar na pista. Foi quando chegamos no corredor de acesso à aeronave e a comissária de bordo já estava quase a fechar a porta, mas deu tempo enfim. Impressionante, pareceu uma cena clichê de filme pastelão!

Chegamos em São Paulo e ainda tivemos um dissabor, ainda que de pequena monta. Ao passarmos pelo saguão do desembarque, onde as pessoas esperam pelo desembarque de amigos e entes queridos geralmente, havia uma multidão ali e nós ouvimos muitas pessoas a chamar-nos de "bichas e veados"... 

Pois ao verem-nos com as nossas cabeleiras Rockers (se bem que o Rodrigo e o Ivan estavam a usarem cabelos curtos nessa época), confundiram-nos com a enorme quantidade de homossexuais que estavam a desembarcarem em São Paulo, vindos de vários voos, e cidades diferentes, para participar da Parada Gay que aconteceria naquele dia na Avenida Paulista... ou seja, só faltara-nos essa para fecharmos a aventura!

Exaustos e apesar do show ter sido bom ao menos em termos, a sensação de que o sacrifício fora grande demais para um resultado tão pífio para a banda, levou-nos de novo aos questionamentos que sempre trouxeram à tona, a questão das estratégias de atuação, para abrirmos novas frentes. 

Para agravar, houve a questão dos discos. Um funcionário do festival abordara-nos no hotel e disse-nos que se havíamos levado discos da banda para vender, estes deveriam ser entregues à organização do festival que comandava uma barraca oficial de vendas. Um acerto seria feito a posteriori. Não foram muitas cópias, cerca de vinte de cada, Pedra e Pedra II, mas sabíamos que haviam vendido, pois assinamos autógrafos após o show, em algumas capas para pessoas que compraram-nos e nos abordaram nos bastidores, certamente. 

Mas tal acerto não foi feito no imediato momento do pós-show e tais produtores disseram-nos que nós receberíamos um e-mail com os números oficiais de tal contabilidade, e a seguir, depositariam o dinheiro devido e devolveriam cópias não vendidas, via correio.

Já achamos aquela medida excessiva, pois tamanha burocracia para cuidar de valores de baixa monta deveriam ter sido acertados ali in loco, com os discos não comercializados devolvidos etc. e tal. 

Todavia, os dias foram a passar e nada de recebermos o tal e-mail alardeado. O Rodrigo mandou vários e-mails e nem resposta eles nos deram. 

Um dia, o Xando ficou muito indignado com a situação e ligou para Goiânia, na sede da tal associação que comandava esses festivais independentes e por sorte (ou azar, eu diria), foi atendido por um de seus mandatários, uma figura extremamente arrogante e que o destratou, sumariamente. Ao atender com soberba, esse rapaz disse que as bandas deveriam mandar materiais por e-mail e que o Xando estava a perturbá-lo. 

No entanto, o Xando insistiu, a dizer-lhe que não seria nada disso e que só ligara para saber do acerto dos discos. O sujeito só piorou as coisas quando disse-lhe que não acreditava que estava a ser importunado por causa de uns "disquinhos" e em seguida, bateu-lhe com o telefone "na cara". 

Somado aos acontecimentos todos que vivemos em Palmas, esse ato foi a gota d'água para convencermo-nos definitivamente, que o cúpula tão asquerosa quanto a que domina o show business no mundo mainstream. 

Se ainda tínhamos a ingênua esperança de que os festivais poderiam representar um caminho, nesse momento ficara descartado esse meio. E mais uma vez, adveio o dilema: esperaríamos oportunidades boas surgidas em teatros e/ou unidades do Sesc, ou submeter-nos-íamos a tocarmos em casas noturnas não afeitas a uma banda com proposta artística muito mais profunda que a média das bandas autorais de nossa época, ainda muito mais que qualquer banda desprovida de tais propósitos e a praticar apenas o entretenimento? 

Uma esperança bateria à nossa porta, em menos de um mês depois dessa aventura no Tocantins.

Continua...

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