quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 280 - Por Luiz Domingues

Quando 2004 amanheceu no horizonte, nós tivemos a esperança de que o novo e ótimo disco que havíamos acabado de gravar, nos desse novas oportunidades.

Contudo, ao sermos realistas, sabíamos que necessitávamos de verdade de uma revolução por completo no panorama da difusão cultural mainstream para termos espaço, e isso se revelou utópico em um país como o Brasil e naquela época, a mísera fresta que havia à nossa frente como pedaço desse quinhão, estava amarrada com um nicho de bandas da cena "emocore", formada por moleques, muitos deles ainda adolescentes ou recém-saídos dessa fase da vida, e controlados por empresários sanguessugas que haviam construído um pequeno império, estruturado como uma autêntica linha de produção de fábrica.
Foi algo monstruoso, eu sei mas esses pequenos "Frankensteins" estavam a fabricarem bandas de tais características em seus castelos fantasmagóricos para lançá-las em série, todas enlatadas no mercado, devidamente amarradas com emissoras de Rádio FM, dispostas a fomentar tal cena fraquíssima, com a qualidade artística abaixo do aceitável e nesses termos, ao verificarmos tais bandas em ação, chegava a dar saudade daquelas bandas mainstream dos anos 1980, que considerávamos fracas demais, mas na comparação estas surgidas nos anos 2000, eram terrivelmente piores.

Diante de uma cena minúscula, por que o mainstream já estava dominado em 99 % pelas duplas sertanejas, o axé da Bahia, o crescente "Funk" dos morros do Rio etc.
Portanto, o estrangulamento foi total para artistas de fora do mainstream, e pior ainda, por termos sido outsiders em nosso próprio nicho, por sermos considerados "dinossauros" dentro do Rock.

Bem, desde que sonhamos com toda a ideologia retrô ainda nos anos noventa, e ao vivermos os primórdios do projeto Sidharta, sabíamos que seria uma luta inglória, mas as conquistas que tivemos e aí graças à Patrulha do Espaço, que foi de peito aberto no sentido dessa estética e queimou a borracha do pneu na estrada, de fato, tivemos muitas alegrias, e os leitores mais atentos hão de se recordar de que lhes contei inúmeras vitórias incríveis que tivemos entre 1999 e 2003.

Todavia, a despeito do prazer intelectual e subjetivo que tivemos nessas conquistas, a realidade do cotidiano se revelara massacrante quando a sobrevivência era posta em cheque, e na ponta do lápis, bancar a manutenção de um ônibus velho cheio de problemas, pagar funcionários, bancar a produção de discos e material promocional da banda e inúmeras despesas decorrentes de outros fatores, atormenta-nos. 

Como consequência natural, o desgaste interno na banda foi a se acentuar e o clima deteriorou-se, com cada componente a perder a paciência com os demais, por irritarem-se com posicionamentos contrários em várias questões, notadamente no âmbito gerencial, e isso foi a subtrair a energia, paulatinamente.

Se em 2003, tocamos ao vivo menos do que nos anos anteriores, creio já ter explicitado esse fato nos capítulos anteriores, mas no frigir dos ovos, mesmo cônscios de que o processo ficara inerente à nós, e não causado por falha humana, claro que a chateação gerou insatisfação.

Sendo assim, mesmo por ser um disco sensacional e certamente gravado sob um clima muito positivo proporcionado por nossos amigos de São José do Rio Preto-SP, o fato é que não estávamos 100 % bem, uns com os outros, e se o áudio desse novo disco ficara sensacional na captura, em comparação com os álbuns anteriores, o clima dentro da banda não era nem 30% igual à empolgação com a qual graváramos o CD "Chronophagia".

Eu estava fatigado nessa época e começara a ganhar força dentro de minha mente, a ideia de aposentar-me da música. 
Me senti sem forças, envelhecido (estava com quarenta e três anos e meio em janeiro de 2004), e absolutamente descrente de que uma banda como a Patrulha do Espaço, com aquela sonoridade e proposta estética, pudesse ter esperanças de manter-se em um patamar digno de sobrevivência, que seria o de se inserir no universo do circuito Sesc/Senac, um verdadeiro porto seguro para qualquer artista basear e gerenciar a sua carreira.

Se fôssemos uma banda norte-americana ou europeia, tranquilamente que poderíamos esticar a carreira ad infinitum em um patamar super digno, a lançarmos trabalhos novos regularmente e a fazermos shows de qualidade artística, com a infra-estrutura que a nossa banda merecia e os fãs, igualmente.

Todavia, apesar de termos feito muitos shows em unidades do Sesc por São Paulo e cidades interioranas entre 2001 e 2003, não serviu como aquele "investimento de carreira" que achávamos que seria, portanto, cada show, mesmo sendo bom (e todos foram, sem dúvida), não nos deram o passaporte para gozar das benesses dessa instituição, de forma definitiva, como é o caso de muitos artistas medianos que conhecemos e "'vivem" desse circuito seguro, há décadas, e nem vou revelar os seus nomes para não comprometê-los, mas quem frequenta o Sesc, sabe de quem falo, pois estão sempre agendados e anunciados na programação das unidades, a utilizar uma estratégia de rodízio gerencial e logístico, bem rotineiro.

Enfim, creio que se mesmo que ficássemos confinados ao circuito de pequenas casas noturnas e a fazermos exaustivas turnês, como fizemos entre 2001 e 2003, acho que ficaríamos mais firmes em termos de animação pelo trabalho, mas com a queda de agenda em meados de 2003, se tornara duro manter o ânimo. 

Bem, explicado o panorama, digo que 2004 começou com o nosso tanque de combustível mais baixo, mas alguns fatos novos ainda aconteceriam no primeiro semestre e as relatarei, certamente.

Continua...

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