quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 126 - Por Luiz Domingues

 

Chegamos na cidade de Araraquara-SP, ao final da tarde. A bela cidade mostrava o seu entardecer e justificava por conseguinte o seu apelido de ser a "Morada do Sol", cidade pujante por ter uma forte indústria, comércio e tradição longeva em sua agricultura baseada no cultivo da laranja, a alimentar grande parte da produção nacional e a exportar muito, principalmente para o mercado norte-americano. 

Dirigimo-nos imediatamente ao local do show e chegamos um pouco antes do horário pré-determinado para o soundcheck. Ali nos bastidores do local, foi muito prazeroso ter uma longa conversa com o guitarrista do Baranga, Deca, com o qual eu tocara por cinco anos na formação do Pitbulls on Crack. Fazia tempo que não conversávamos e ali nós colocamos as novidades em dia, quando eu soube inclusive, que ele havia sido papai de novo, por exemplo.  

Ficamos contentes por vermos que o equipamento locado era de qualidade, tanto no PA, quanto monitoração e backline com amplificadores de gabarito internacional e uma carcaça de bateria de boa qualidade e em condições para não deixar nenhum baterista na mão. 

Fizemos o soundcheck e sob um gentil oferecimento de Marcelo Bueno, fomos ao hotel onde ele estava hospedado para usarmos as dependências para um repouso, banho e arrumação geral. 

Além das bandas amigas que eu citei, haveriam várias atrações antes de nós, a maioria delas a transitarem entre o Heavy-Metal e o Indie Rock, estes com a sua típica raiz Punk-Rock. 

Que eu lembre-me, havia apenas uma banda com um certo nome dentro desse mundo do Indie Rock e que chamava-se: "Charme Chulo". Acho que tal banda era do Paraná e pelo pouco que recordo-me, não se tratava de uma banda ruim, como é a praxe no mundo "indie" e até soava-me agradável, talvez a lembrar o som de bandas britânicas de estilo "bubblegum", dos anos sessenta. 

E a atração principal da noite foi uma banda ultra incensada na mídia, desde os anos noventa e na minha opinião, tal reverência era exagerada ao cubo, a superestimar um trabalho que não alcançou mainstream, não convencia-me de forma alguma com aquela fórmula indigesta de se misturar Punk-Rock/Heavy Metal com folclore a esmo, mas tudo bem, sem preconceitos ou nenhuma menção de haver qualquer animosidade, mesmo por que nem conhecia os seus componentes individualmente, o fato é que não tenho absolutamente nada contra seus componentes, pessoalmente. Apenas não gostava e ainda não gosto de sua estética, ideias, sonoridade e ideais na música. 

A noite avançou e os shows já estavam a todo vapor. Da coxia, eu vi uma banda, um Power-Trio com um som pesado, algo no limiar do Heavy-Metal. Garotos novos, eles tocavam bem e apesar de eu não gostar dessa sonoridade, vi no semblante e no gestual desses rapazes que eles estavam a tocarem com uma garra incrível e ficou nítido que queriam aproveitar a chance de estar a se apresentarem no sul, ainda que não em um grande centro como São Paulo ou Rio, mas através de uma cidade interiorana paulista de porte. 

Eles eram de alguma cidade pequena de Pernambuco, acho, e haviam vindo de ônibus de linha, com instrumentos na mão e um sonho. Claro que admirei isso e mesmo não que não fosse uma sonoridade que eu apreciasse e apoiasse, desejei-lhes toda a sorte do mundo na sua carreira. Nem lembro-me do nome da banda, mas tomara que tenha atingido degraus acima no seu nicho de atuação, anos depois.

Tocou enfim o Marcelo Bueno e a sua banda de apoio. São boas as canções desse seu disco solo ("Nariz de Porco não é Tomada", uma clara brincadeira com sua própria banda) e valorizadas pela categoria dos músicos que acompanharam-no, pareceu ser uma banda de carreira a tocar, com entrosamento e brilho. 

Foi bem interessante o show, mas claro, completamente desconhecido do público ali presente, não causou comoção. Mas eu gostei muito da performance, a assistir da coxia. 

Chegou a vez do "Charme Chulo" e o som deles também soou bem. Da coxia, a ouvir uma "rebarba" do side fill, eu achei que o peso e os timbres estavam bons na monitoração. 

Quando fomos chamados a tocar, o público estava grande na concha acústica e assim que começamos, eu vi a figura ímpar de Gustavo Arruda na plateia, mas bem perto do fosso dos fotógrafos. Ele era vocalista da banda "Homem com Asas" de São Carlos-SP, cidade vizinha. Éramos amigos desde o tempo em que eu e Rodrigo fomos componentes da Patrulha do Espaço e as nossas respectivas bandas interagiram bastante entre os anos de 2001 e 2004.

Começamos a tocar e a monitoração estava ótima. Pelo "side fill", eu ouvi com nitidez até o tilintar da minha palhetada nas cordas do baixo. O bumbo da bateria do Ivan estava absolutamente "robusto" e aveludado por uma bela frequência atingida, as guitarras com brilho etc. Enfim, como é bom tocar em boas condições sonoras e como isso é raro na vida de quem milita no underground da música, infelizmente.

Começamos com "Megalópole" um tema instrumental a transitar entre o Acid-Rock sessentista e o Jazz-Rock setentista. Intrincado e a exigir precisão de todos, a sua execução saiu magnificamente bem, pois estávamos bem ensaiados. 

Sob uma análise fria, alguém poderia criticar a escolha de tal música para abrir um set de show de choque. Compreendo que talvez gerasse estranheza generalizada, mas eu acho que foi uma boa escolha, pois trouxe um diferencial para nós, em meio a tantas bandas com um som uniforme, a usarem e abusarem dos clichês do Heavy-Metal e pior ainda, com o Punk-Rock sofrível perpetrado pelas bandas "indie", acho que abrir o show com aquela complexidade sonora, no mínimo causou um impacto aos ouvidos habituados a ouvirem serras elétricas ou a massa amorfa dos indies. 

Tocamos também: "Se Você for a Fim", "Letras Miúdas" e "Filme de Terror" do disco inédito, além de "Estrada" e "O Galo Já Cantou" do primeiro disco. Em suma, foi um set curto, ao estilo de show de choque, naturalmente.

Eis abaixo, "Letras Miúdas" no Araraquara Rock de 2008

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Z9etj5cOGTI


Lembro-me do Gustavo Arruda a gritar entre os intervalos das músicas. Ele elogiava a banda aos berros e isso foi bem estimulante da parte dele e depois do espetáculo, já nos bastidores, ele confidenciou-me que além de desejar ajudar, estava a achar a mixagem do nosso show, excelente e de fato, estávamos soar muito bem no PA, segundo ele. 

Claro que ficamos contentes com essa informação. O nosso show não causou comoção igual à do Gustavo entre o restante do público, mas isso esteve dentro da normalidade para um artista desconhecido das pessoas ali presentes. 

O Baranga assumiu o palco e lembro-me do Deca a enlouquecer, quando jogou para o alto (e bem alto), a sua guitarra Fender Stratocaster, sem receios. Eu o conhecia de longa data dos tempos do Pitbulls on Crack e sabia da sua performance ensandecida no palco, portanto.  

No camarim, a empresária do "Charme Chulo"  abordou-nos e quis trocar contatos conosco a dizer-se impressionada com a nossa performance e que talvez ele pudesse nos encaixar em alguma oportunidade futura. Nunca aconteceu nada, mas foi válido dar vazão ao contato, é claro. E era uma moça linda, bastante sensual e que monopolizou todas as atenções dos bastidores do festival. As piadas sobre a presença provocante da bela moça, avançaram madrugada adiante, certamente

Eis acima "Se Você for a Fim", no Araraquara Rock de 2008

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=EG0Tft6t0pY


Bem, o ambiente esteve agradável, entre tantos amigos presentes, mas o nosso plano não foi dormir na cidade e assim, deveríamos entrar na van e partirmos para São Paulo, imediatamente. 

Entretanto, foi nesse instante que se iniciou a minha longa agonia para agrupar todo mundo, pois a dispersão foi enorme. Ao cumprir a função de "road manager", eu enlouqueci completamente, pois a cada vez que eu localizei um membro da nossa comitiva e o conduzi à van, outros que ali estavam, haviam sumido de novo. 

O motorista levou a situação incômoda na brincadeira, ao informar-me que os rapazes ficavam  cansados de esperar dentro do carro e saíam sob a alegação de que procurariam os demais e claro que o objetivo deles seria outro.

Enfim, foram duas horas em que eu enlouqueci completamente, pois fui o único sóbrio ali e quanto mais tentava colocar ordem, mais os companheiros galhofeiros achavam engraçado verem-me agoniado com a situação. Enfim, eu teria dado tudo para ter um road manager profissional ali e com pulso firme naquele instante, pois definitivamente eu não tenho paciência para ser monitor de acampamento escolar.

A outra ocorrência, foi que o Gustavo Arruda, que levara um amigo, este um ex-colega da Universidade Federal de São Carlos e que era oriundo de Juiz de Fora-MG. Esse rapaz se mostrou muito articulado, como todos os amigos do Gustavo, Rockers intelectualizados e neste caso, um fanático pelo guitarrista irlandês, Rory Gallagher, ele ficou animadamente a contar-nos sobre as suas andanças pela Irlanda, para acompanhar festivais que ali acontecem anualmente em memória do saudoso guitarrista e também disse-nos ter ficado impressionado com a nossa performance. 

Bem, isso ocorreu depois das manifestações aos berros do Gus durante o nosso show, portanto, que bom ouvir tal opinião tão enfática.

          O local do Festival, uma arena ao estilo concha acústica

Bem, finalmente eu consegui reunir todos os membros da nossa comitiva na van e partimos, com quase três horas de atraso em relação à nossa previsão inicial e a constatação: ser um abstêmio em meio aos etílicos, não é fácil! É preciso ter um saco escrotal muito elástico, com o perdão da expressão deselegante.

Festival Araraquara Rock, dia 12 de julho de 2008, com cerca de mil pessoas na plateia. 

Disco saindo do forno, a próxima parada para o Pedra, foi de novo no interior de São Paulo.

Continua... 

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