Consummatum est... a nossa formação chronophágica estava encerrada, e com ela, também o sonho acalentado desde os primórdios da formação do Projeto Sidharta.
A Patrulha do Espaço continuaria o seu voo, como sempre, e era admirável o poder de resiliência do Rolando Castello Junior em passar por cima das adversidades, ao enfrentar tantas perdas, algumas até literais, caso das mortes de ex-componentes, mas a manter a nave em pleno voo, com poucas paradas no hangar.
De nossa parte, estávamos todos chateados, mas tão fatigados com a labuta acumulada, que não houve mesmo outra saída a não ser apanharmos os nossos respectivos paraquedas e nos ejetarmos da nave.
Houve o último compromisso e ele foi marcado por uma série de quebra de protocolos da parte da banda, visto que esse derradeiro compromisso se investira de uma aura completamente diferente da da nossa rotina mantida até então.
O mais gritante de todos, foi que não usamos o nosso ônibus, ao visarmos minimizar gastos e de fato, com a dissolução da formação, o próprio veículo perdeu a sua função imediata e pouco tempo depois ele foi passado para frente, para sair de nosso domínio.
Portanto, soubemos que o Rolando Castello Junior fechou tal show com apoio local para prover um backline, e dessa forma, viajaríamos em carros particulares, ao levarmos apenas instrumentos.
Foi o que ocorreu e o Junior foi para São Carlos-SP com peças essenciais de sua bateria, na dianteira, para participar da produção local e no meu carro, seguimos no dia do show, eu (Luiz), Rodrigo e Marcello, apenas. Com o carro abarrotado de instrumentos e isso a se transportar o mínimo, com dois baixos, quatro guitarras e três teclados.
Foi uma viagem tranquila na ida, com o clima leve entre nós três, apesar do momento de ruptura do trabalho, mas sem lamúrias. A sensação foi de um certo alívio por estarmos a deixar o stress em que se tornara o cotidiano da Patrulha do Espaço, e resignação pelo encerramento do trabalho. Houve, para amenizar, a sensação de orgulho pelas conquistas artísticas, via reconhecimento do trabalho por fãs e críticos, e o melhor de tudo, o legado vivo, perpetuado através dos discos.
Durante o percurso, em tom de pura brincadeira, falávamos que iríamos tocar no "Cazzo", ao nos referirmos ao "CAASO", o local onde tocaríamos e que era o Centro Acadêmico dos estudantes daquele campus avançado da USP. Bem, acho que mesmo para quem não domina o idioma italiano é dispensável traduzir o termo chulo em questão...daí a pilhéria.
Quando chegamos ao Campus da USP em São Carlos, e por nunca termos ido de carro e sempre de ônibus, despreocupados com a logística imediata, nos perdemos e tivemos que perguntar a um porteiro o caminho para podermos chegar ao Centro Acadêmico, popular, "CAASO", e foi quando o ato falho me traiu...
De tanto brincarmos na estrada, quando eu abordei o porteiro a lhe solicitar a informação, falei sério: -"Por favor, pode nos informar onde fica o "cazzo?"
Marcello e Rodrigo explodiram em gargalhadas instantâneas e o sujeito ficou atônito, mas creio não ter entendido a ironia involuntária e mesmo a demonstrar um semblante entre o indignado e o surpreso, ele deu a informação e foi duro para não rir também, e permanecer sério a a ouvir a orientação e lhe agradecer a posteriori...
A minha sorte foi que o rapaz não conhecia o termo, coisa rara em qualquer quadrante do nosso estado tão influenciado pela aculturação da imigração italiana maciça por aqui, e provavelmente também, por que estava acostumado a lidar com a juventude universitária e o seu inerente estado de deboche permanente dentro das dependências da instituição.
Fizemos o soundcheck com tranquilidade e tivemos o apoio total dos amigos que tocariam conosco na noite ao fazerem os shows de abertura e de vários Rockers locais e ligados à universidade.
Claro que o clima não foi igual e nem poderia ser. O Junior estava focado na reformulação da banda e claro que era legítimo o seu esforço para recrutar a nova tripulação o quanto antes para não ter que colocar a nave no hangar.
Fizemos o show com bastante profissionalismo, mas claro que não foi a mesma coisa. Sem os ornamentos, sem os incensos, sem a determinação de se resgatar os nossos ideais contraculturais em signos múltiplos, estávamos ali apenas a cumprir um bom show de Rock, mas foi só isso, sem o significado subliminar de outrora.
Rara foto do último show da nossa formação em São Carlos-SP, em 15 de outubro de 2004
Apesar dos pesares, foi bem animado para a plateia e houve um ótimo público presente, portanto, isso ajudou a não deixar nenhum resquício melancólico no aspecto interno da banda. "Homem com Asas" e "Rocha Sólida" tocaram conosco nessa noite.
Haviam cerca de quatrocentas pessoas na plateia nessa noite no CAASO, o Centro Acadêmico dos estudantes da USP, Campus de São Carlos-SP. Foi no dia 15 de outubro de 2004.
Foi o último ato da formação "Chronophágica" da Patrulha do Espaço, e a certeza de que tivemos foi no sentido de termos conquistado o nosso quinhão na história dessa grande banda e por conseguinte, na história do Rock Brasileiro.
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