quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 129 - Por Luiz Domingues

Depois que lançamos o disco novo no Centro Cultural São Paulo, em julho de 2008, comemoramos os elogios que o disco recebeu por parte da imprensa e nas Redes Sociais da Internet, notadamente o Orkut, que ainda era a Rede mais usada nessa época, embora esta rede começasse a dar os seus primeiros sinais de desgaste nessa época. 

Os bons comentários animavam-nos, mas isso não refletira exatamente em oportunidades para capitalizarmos novos shows e assim, novamente nós entramos em uma fase difícil, com escassez de oportunidades e como resultado prático, o clima interno da banda deteriorava-se, como acontece com toda banda que fica sem perspectivas imediatas.

Uma reaproximação do agente Marco Carvalhanas aconteceu, e desta vez ele sinalizou com uma possibilidade de intercâmbio com uma emissora de rádio AM de uma cidade da Grande São Paulo, chamada Franco da Rocha. 

Seria uma permuta ao estilo das habituais negociações que ocorrem em emissoras de grande porte, com o "jabá" velado a ser cobrado em formato de shows ao vivo promovidos pela emissora. 

Nesse caso, por ser uma emissora pequena de uma cidade muito carente, foi óbvio que os shows seriam sem infraestrutura e pelo contrário, realizados em palcos modestos de madeira, improvisados e sem chance alguma de realizarem-se ao vivo, sendo regidos pela pantomima vergonhosa da dublagem.

Nunca o Pedra havia passado por uma situação dessa monta e eu contara nos dedos de uma só mão, a quantidade de vezes que passei por situações parecidas com trabalhos anteriores que realizei. 

A priori, só lembro-me das ridículas dublagens feitas no Teatro "Pimpão", que fiz com A Chave do Sol e também com o Língua de Trapo para o programa de Rádio, Balancê, da Rádio Globo/Excelsior, nos anos 1980 e uma dublagem ao vivo no Palácio das Convenções do Anhembi, para um programa da TV Record, com A Chave do Sol, também na década de oitenta.

Quando passei a proposta para os companheiros, claro que eles ficaram divididos entre a indignação e o escárnio pelo caráter questionável do que ganharíamos com tal predisposição e o aspecto ridículo de tal situação. 

Eu também sentia o ranço popularesco forte nessa situação e duvidava da eficácia para o nosso anseio artístico em meio a uma empreitada desse tipo. Uma situação seria fazermos shows nos salões suburbanos da baixada Fluminense para reverter em aparições no programa do Chacrinha, mas outra bem diferente seria enfrentarmos shows em bairros carentes de uma cidade da Grande São Paulo, para termos a execução de uma música nossa na programação de uma rádio popularesca de baixa audiência e com espectro de ouvintes muito distante do nosso nicho alvo. 

A trocar em miúdos, a expressão certa foi: para que?
Exatamente a mesma percepção foi unânime entre os quatro e até o Carvalhanas que fez a proposta também detinha essa consciência, é claro. 

No entanto, a questão também foi: Nós poderíamos dar-nos ao luxo de recusar sumariamente uma proposta de divulgação, mesmo não sendo algo fundamental para nós? Naqueles picos de escassez de oportunidades que o Pedra enfrentava costumeira e infelizmente, quando um fato novo acontecia, diante desse panorama, tornava-se quase uma obrigação agarrar a oportunidade, mesmo que acarretasse em posterior arrependimento.

Éramos como andarilhos no deserto e quando aparecia um pequeno oásis à nossa frente, não dava para questionar se a água disponibilizada era de qualidade ou não, essa é a metáfora que nos representara.

Nesses termos, mesmo a contragosto porque não foi a melhor das oportunidades, aceitamos participarmos e teoricamente a música: "Nossos Dias" do nosso disco Pedra II, entrou na programação da tal emissora, seria trabalhada até popularizar-se e então, no primeiro "show" promovido pela emissora na cidade, nós compareceríamos e faríamos uma dublagem da canção ao ar livre. 

Alguns dias depois, uma entrevista ao vivo com um locutor de tal emissora foi agendada. Eu falaria em um domingo a tarde com o rapaz por telefone e realmente isso aconteceu. Não lembro-me de seu nome (aliás, nem da emissora), mas recordo-me no entanto que o rapaz se mostrou bem comunicativo e simpático, e apesar de fazer as perguntas óbvias, a denotar não ter a mínima noção do tipo de artistas que éramos e por conta disso a usar dos clichês habituais que são utilizados no mundo artístico popularesco para entrevistar artistas dessa seara, a intervenção foi boa.

De fato, "Nossos Dias" começou a tocar e por ser possivelmente a canção mais Pop do disco, poderia ser executada mesmo em emissoras populares e acho que com chances de vir a tornar-se um sucesso nessa camada da população. 

Mas apesar do Carvalhanas falar com o rapaz da rádio constantemente e eu mesmo ter falado algumas vezes, os tais shows de permuta nunca ocorreram. Se por um lado foi um alívio não participarmos de eventos tão fora do nosso espectro artístico, por outro, nunca ficamos a saber qual teria sido a real receptividade de uma música como "Nossos  Dias" ante uma camada popular. Poderia ter sido um balão de ensaio e tanto para aferirmos algo que foi incompreensível para nós sob uma primeira instãncia.

Um outro evento ocorrido em 2008 e também a envolver emissoras de rádio, veio da parte do nosso amigo, Osmar "Osmi" Santos Junior e coincidentemente, este é um dos autores da canção que eu mencionei acima. 

Muito experiente no meio radiofônico, "Osmi" tentou ajudar-nos mais uma vez, ao intermediar um contato na rádio Eldorado FM, aí sim, uma emissora de muito respeito no mundo radiofônico paulista e brasileiro. 

Enviamos o nosso material na sede da emissora ao selecionarmos músicas como: "Nossos Dias", "Meu Mundo é Seu" e "Projeções", mas na ótica de seus mandatários, tais canções eram "pesadas" para os padrões deles e pior ainda, consideradas "juvenis". 

Ele mandaram nos dizer que o espectro da emissora era o de padrão "adulto". Foi rir para não chorar, na idade que nós tínhamos, ouvirmos uma asneira tão despropositada dessa magnitude. Entretanto, o "Osmi", como um profundo conhecedor dos bastidores do mundo do Rádio, explicou-nos que não seria para ofendermo-nos, pois isso era normal na visão deles, radialistas. 

Essas pessoas consideravam qualquer tipo de música que soasse, minimamente "pesada" como "Rock" e mediante tal rótulo que em sua ótica seria algo pejorativo, estigmatizam o artista em questão como dirigido a adolescentes e crianças. Ou seja, se tratou de uma classificação tão imbecilizante e obtusa, que lembrou-nos a estupidez dos quadros que serviam a censura na época da ditadura militar, verdadeiras bestas analfabetas, literais e funcionais.

Ao tentar ajudar-nos ainda e não deixar-nos esmorecer em relação a tentarmos uma adequação para podermos tocar a nossa música em rádios de porte e ainda não contaminadas inteiramente com a vergonha do "jabá", "Osmi" contou-nos que um expediente usado por artistas de gravadoras majors, seria o de suprimir-se guitarras em versões especialmente concebidas para tocar nas rádios, e assim driblar o paradigma imbecil de que no rádio não pode tocar música mais pesada. 

Segundo contou-nos, muitos artistas faziam isso e assim asseguravam execução maciça nas emissoras, ao garantirem que a sua popularidade aumentasse. Na sua opinião, se tratava de uma imbecilidade tremenda e ele mesmo, por ser um Rocker inveterado, odiava essa "Lei" velada que existia dentro das emissoras, com exceção das rádios Rock, logicamente. 

A sua explicação para o caso ficou claríssima, e chocou-nos pela simplicidade dos fatos: algum idiota que militara em uma emissora de rádio, décadas atrás, devia odiar o Rock e esta pessoa passou a boicotar bandas que apresentavam um patamar de peso acima do que o seu gosto pessoal permitia. 

Nessa predisposição, ele rejeitava músicas nesse parâmetro e isso espalhou-se em outras emissoras. Em suma, foi um paradigma imbecil e que ninguém sabia exatamente de onde veio e qual a razão da rejeição, mas enquanto uma tradição criada, todo mundo pôs-se a perpetuar essa estupidez em forma de ditame e isso está aí até os dias atuais.

Com a sugestão lançada, e ao se considerar que o Xando tinha o estúdio à disposição, seria uma questão de poucas horas para se trabalhar o track bruto da música "Sou mais Feliz", suprimir a guitarra e acrescentar um violão "batido" sem muitos desenhos rítmicos,; abaixar os teclados e o baixo um pouco mais e assim mixar uma nova versão "leve" da canção. 

Apesar de estarmos a lançar um disco novo e termos três músicas com potencial Pop excepcional, que eu já citei acima, o "Osmi" insistiu em uma estratégia de trabalharmos "Sou Mais Feliz", por que ela tocava na sua emissora, a Brasil 2000 FM, até aqueles dias de 2008 e portanto, seria mais fácil obter um "efeito cascata" se tal música entrasse também na programação da Eldorado. 

Segundo ele, quando uma cascata formava-se no mundo das rádios, tal precipitação tendia a obrigar outras emissoras a viralizar a música, mesmo não se não houvesse a maldita cobrança do jabá, portanto, seria uma chance.

Perdeu-se um bom tempo nessa operação, mas claro que valeria a pena a tentativa e assim que uma nova versão de "Sou Mais Feliz" ficou pronta, o "Osmi" a pôs para tocar na Brasil 2000 FM, já na estratégia de caso a Eldorado aderisse, a cascata radiofônica estivesse pronta para iniciar-se. 

Mas... a versão ultra light de "Sou mais Feliz" foi rejeitada e o programador mais uma vez insistiu na tese de que o Pedra não fazia uma música "adulta" e que buscasse execução em rádios "jovens". 

Falo de bom humor, sem rancor algum com a Rádio Eldorado FM e a sua equipe de produção, mas se "Sou mais Feliz", na sua versão normal do disco, já era adequada para tocar, na minha opinião de músico, imagine então essa versão que seria aprovada até pelos fiscais do "Psiu"(para quem não é paulistano, explico que o "Psiu" é um órgão da prefeitura de São Paulo que fiscaliza casas noturnas que excedem o barulho durante a noite e madrugada), e seus indefectíveis medidores de decibéis em mãos.

Então é isso, quem sabe um dia o Xando lança essa curiosa versão leve e alternativa de "Sou mais Feliz" como uma peça curiosa da discografia da banda e seria bem interessante nesse aspecto.

Um outro fato novo que aconteceu nesses meses finais de 2008, deu-se também no campo do jornalismo. Um jornalista de primeira grandeza, crítico musical de uma revista de circulação nacional na ocasião e ouso dizer, a maior do país naqueles dias, abordou-nos via E-mail. 

Ele disse que havia achado o nosso trabalho interessante, ao pesquisar na Internet e gostaria de ter consigo os nossos discos para uma análise mais aprofundada. Particularmente, achei inacreditável que um jornalista do mundo mainstream abordasse-nos espontaneamente e dessa forma simpática, solícita. 

Desde os anos oitenta, acostumara-me a ser hostilizado nesse mundo da superfície do mainstream e o que sempre esperava desse tipo de jornalista da camada superior, era o desdém absoluto.

Mas esse rapaz mostrara-se alheio à essa cartilha nefasta de seus pares, portanto estava a ser sincero, o que foi extraordinário, não só para o trabalho do Pedra, mas a enxergar muito além, eu diria que foi um fato inédito para a minha carreira toda. 

Ao longo da minha trajetória, e o leitor atento há de recordar-se dos capítulos anteriores a abordar a minha histórica com bandas pregressas pelas quais trabalhei, eu citei muitos nomes de jornalistas que considero verdadeiras feras desse ofício, com canetas fortes e caráter ilibado, porém em sua maioria a militarem em órgãos pequenos e médios do jornalismo cultural. 

Por ser assim, creio que tirante a minha estada no Língua de Trapo, que foi uma banda bem relacionada em esferas maiores do jornalismo, um crítico musical de primeira grandeza, a trabalhar em um órgão mainstream e que abordasse com simpatia sincera um trabalho meu, foi algo inédito na minha carreira e naquela altura já a ostentar mais de trinta e dois anos de labuta.

Respondemos o e-mail e entregamos os discos no endereço residencial desse jornalista e dias depois, ele respondeu que havia gostado muito do som, mas não muito das letras. 

O Xando que tinha uma verdadeira obsessão por tal quesito em si, ficou chateado e estupefato, pois na sua ótica, as letras seriam um dos grandes trunfos da nossa banda. Eu também achava/acho isso, ainda que com maior cautela. 

Dias depois, em outra conversa por e-mail, o jornalista estreitou relações e quis conhecer-nos pessoalmente e depois de quebrado esse gelo inicial em que o tratávamos com um cuidado especial devido a sua posição em um órgão de imprensa gigante no mercado, nos tornamos amigos e maravilha, o rapaz era (é) gentil ao extremo.

Ex-aluno de jornalismo da... claro... Cásper Líbero, a faculdade de jornalismo que caminhou em paralelo à minha carreira musical desde os primórdios do Língua de Trapo e lá estava eu de novo a estreitar amizade com outro jornalista "casperiano"...

Inconformado pelo fato de uma banda como a nossa ser ignorada no mundo mainstream, ele nos falou sobre alguns aspectos que foram como dardos no meu coração, mas positivamente, eu diria, pois as suas afirmações sobre a falta de oportunidades e reconhecimento para trabalhos como o Pedra também poderiam ser atribuídas a trabalhos anteriores que fiz, notadamente com A Chave do Sol e a Patrulha do Espaço, portanto, ouvir isso da parte de um jornalista mainstream foi um bálsamo para a minha alma. 

A sua afeição pela nossa banda foi total, mas daí a abrir o seu computador e escrever resenhas para os nossos discos houve uma dificuldade.

Claro que nós precisávamos respeitar a hierarquia de sua redação e não dependia só de sua vontade pessoal, contudo, ficou óbvio que enxergava qualidade em nós e se dependesse dele, na primeira oportunidade dar-nos-ia uma mão. 

E só para constar: depois que ficamos amigos e tivemos liberdade, o Xando perguntou-lhe sobre ele não ter apreciado as letras na primeira avaliação que fizera dos álbuns e ele retrucou que confundira com outra banda e isso foi normal ao se considerar que ele ouvia materiais o dia inteiro e escrevia diversas resenhas. O seu nome era Sérgio Martins e ele era o crítico musical da Revista "Veja".

Ao fazer um balanço final sobre o ano de 2008, ele começou marcado pelo acúmulo de frustradas tentativas em recuperamos o embalo de 2006, perdido ao longo de um 2007, muito difícil para a banda. A estratégia proposta pelo Rodrigo ao buscarmos espaço no mundo dos festivais independentes foi muito válida e só no decorrer do tempo nós fomos perceber que esse mundo era muito corroído. 

Enfim, tudo bem, absorvemos a ideia do "viver e aprender" e assim fizemos dois shows em tais festivais, ao abrirmos a porta para um terceiro, graças a esse esforço dele, Rodrigo. Tivemos um momento de intensa motivação quando fomos surpreendidos pela viralização do vídeoclip da música: "Longe do Chão", e pareceu que retomaríamos o embalo de 2006 e o superaríamos até, mas tudo virou pó da noite para o dia e por conta de uma mal-entendido tremendo.

O nosso maior orgulho em 2008 foi o lançamento do álbum Pedra II, o segundo trabalho oficial da banda, pleno de atrativos musicais e visuais.

Vídeo promocional do CD Pedra II, produzido em 2008
Eis o Link para assistir no YouTube :
https://www.youtube.com/watch?v=r3782u2SXzk

 
Emendamos uma sequência de shows interessantes, inclusive fora de São Paulo. Outra grande surpresa foi ganhar o apoio sincero de um jornalista mainstream, do porte de Sérgio Martins. E após o show de lançamento, caímos de novo em um momento de ostracismo...

2008 terminou com o Xando muito incomodado com esses altos e baixos na trajetória da banda e a ter uma ideia para mudar o panorama de 2009 , enfim. E tal ideia só ganhou corpo mesmo, quando um fato novo apareceu e animou-nos mais uma vez.

Ocorreu que o Sérgio Martins, esse grande jornalista musical do mundo mainstream, ligou-nos, e disse estar com uma pauta já em andamento para sua revista mega famosa de circulação nacional, a "Veja". Ele queria acompanhar os bastidores de turnês de alguns artistas. 

Nesses termos, ele viajaria com artistas do patamar mainstream em meio às suas turnês milionárias e recheadas de mordomias e conforto, viajaria com um artista médio, em condições boas, mas bem abaixo do luxo das mega estrelas, e por fim, enfrentaria a dura realidade de um artista do underground, a viajar e tocar com parcos recursos. 

Estávamos convidados, portanto, a contarmos com um jornalista de primeira linha e acompanhado de um repórter fotográfico dessa grande revista, a viajarem conosco e cobrirem por 24 horas por dia as nossas dificuldades e virtudes e os nossos esforços para vencer adversidades, mas também a levar em consideração a determinação de levarmos a nossa música onde quer que fosse, a angariarmos público e simpatia das pessoas.

Só houve um detalhe negativo para que aceitássemos tal convite: o Pedra era uma banda sem agenda, com uma dificuldade gerencial terrível nesse sentido e não havia perspectiva alguma de show, nem para São Paulo. 

No entanto, esse jornalista fora taxativo: seu editor queria que ele viajasse para cobrir turnês e para figurarmos nessa reportagem, no mínimo deveríamos apresentar duas datas em cidades interioranas para chamar isso de turnê e justificar a nossa participação na reportagem.

Seria possível dispensarmos a possibilidade de sermos retratados em uma mega reportagem recheada com fotos na Revista "Veja?"

Portanto, o Xando tirou da cartola uma ideia e materializou dois shows no interior de São Paulo para janeiro de 2009, para garantir assim ao jornalista Sérgio Martins, que estávamos prontos e ele poderia fechar conosco para essa etapa de sua reportagem de campo. 

Dessa forma, 2009 teve tudo para garantir-nos uma guinada e assim animamo-nos mais uma vez para enfrentarmos tal desafio.

Continua...

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