Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 387 - Por Luiz Domingues

Chegamos ao estúdio Guidon, para uma primeira inspeção prévia de pré-produção e verificamos que a bateria que havia disponível no estúdio, não estava em condições ideais para a gravação de um álbum. Nem mesmo ao se trocar todas as peles do instrumento, isso seria minimizado, pois algumas "canoas" (pequenas peças que tem função de presilhas para fixar a pele no instrumento, e feitas de latão, geralmente, mas muitas vezes de outros materiais como plástico, ferro etc), não estavam em boas condições. Dessa forma, com canoas em mau estado de conservação, a possibilidade de ruídos estranhos se somarem ao som do instrumento na sua captura básica de gravação, foi grande. 

Por outro lado, o Ivan não tinha consigo uma bateria importada de alto padrão nessa época e aí, resolvemos fazer um empréstimo, muito inusitado!  

Sem pudor algum, fomos à casa do Zé Luiz Dinola, e de forma direta, sem rodeios, lhe pedimos o seu instrumento emprestado para a gravação do disco. Situação absolutamente bizarra, estávamos a pedir o instrumento de nosso ex-baterista para que um convidado o usasse em seu lugar no disco, em que ele obviamente deveria estar a participar conosco. Ou seja, que situação mais estranha e da qual jamais poderíamos supor passar um dia, mas aconteceu.

Bem, nessa altura, o Dinola não nos disse oficialmente, mas na prática, o seu esforço para tentar passar pelo vestibular a visar o curso de odontologia, já estava descartado, mas ainda chateado, não esboçara sinais de que pudesse voltar para a nossa banda, infelizmente.

Todavia a se mostrar solidário, como sempre, aceitou na hora a inglória tarefa de emprestar a sua bateria para um outro músico gravar o disco de sua própria banda. Então, mais que isso, prontificou-se a levá-la ao estúdio, sob uma demonstração de sangue frio, enorme, eu diria.

Quando o dia do início desse trabalho chegou, lá estava ele a montar a sua bateria Tama, e então nos sobreveio aquele óbvio sentimento que instaurou-se no estúdio a dar conta de que o certo seria que ele se sentasse no banquinho e gravasse todas as faixas.

Bem, quando o primeiro trabalho para equalizar o som da bateria começou, ele, Dinola, já estava tão naturalmente inserido naquele espírito de gravação, que ajudou decisivamente o Ivan, ao dar-lhe todo o apoio para timbrar o instrumento da melhor forma possível.

Então, quando achamos uma equalização primordial e o produtor Bianchi anunciou que começaríamos a gravar, propriamente dito, o Ivan, ao sentir o clima subliminar de constrangimento entre nós quatro, membros da velha formação d'A Chave do Sol, foi direto ao ponto e disse ao Zé, que ele é que deveria gravar o disco inteiro...

Claro que sim, mas naquela altura, com o hiato de quase dois meses de sua saída, dentro de um estúdio e com os ponteiros do relógio voar (e a cada giro desses, a arrancar-nos o couro), nem seria possível perder tempo ali com uma catarse interna da banda, a tentar demover o Zé Luiz de sua decisão precipitada, feita meses antes... isto é, foi uma imensa pena, enfim!

Diante desse impasse, na base da pressão emocional que instaurou-se com tal proposta vinda do próprio Ivan, Dinola aceitou gravar algumas faixas e isso minimizou e muito a nossa frustração imensa em suportar a ideia de que nosso baterista não tivesse uma participação, mesmo que pequena, em mais um álbum da banda.

E mesmo com a falta de ensaios naqueles meses em que ele houvera deixado a banda, claro que o Dinola conhecia aquelas canções, como ninguém.

Então sob comoção, e confesso, ficamos todos muito emocionados com essa ação inesperada, o Dinola gravou duas faixas do disco:  "Keep me Warm Tonight" e "Lírio de um Pantanal", com Ivan Busic a gravar as demais. E também fez algumas intervenções de percussão na faixa: "Change my Evil Ways".

Isso esteve longe do ideal, pois o correto seria ele ter gravado tudo, e saído retratado normalmente nas fotos da capa e encarte do LP, porém, a vida nos pregou essa peça...

Continua...