A nossa situação tornara-se dramática, por tudo o que já expus nos capítulos imediatamente anteriores, pois tínhamos uma urgência absurda em recolocar a banda nos trilhos. Primeiro, para salvá-la da turbulência incômoda em que se encontrava nesse ano de 1987, como um todo, mas com agravantes a partir do segundo semestre.
Em segundo lugar, por que o clima interno entre os membros sobreviventes, estava péssimo.
E em terceiro lugar, por que a dívida que contraíramos para produzir o novo disco, ficara muito alta, e a única forma de saná-la, seria vender discos, muitos... e para tal, a banda precisava voltar rápido aos trilhos, aparecer muito através da mídia e shows, sobretudo.
Tivemos a certeza de que não poderíamos contar com Ivan Busic, para nos auxiliar nesse esforço pós-lançamento do disco. Ele deixara claro isso desde o início, quando aceitou gravar o nosso disco, pois estava envolvido com a criação de uma nova banda chamada: "Slogan", com o seu irmão, Andria Busic, e outros componentes. Então, para começar a organizar esse cenário caótico, foi necessário que os três membros remanescentes, estivessem 100 % imbuídos da vontade de deixar para trás as desavenças pessoais e voltar a trabalhar com união, internamente a falar. Entretanto, Rubens e Beto não se entendiam mais, e as ações que o Beto tentou fazer para elevar o moral da banda, que parecia estar à deriva, foram pessimamente interpretadas pelo Rubens. E isso se transformou em mágoa, rancor e ressentimento, com o qual não conseguiu se desvencilhar doravante, por muito tempo.
Ao ver o impasse hoje em dia, tenho certeza de que mais do que se aborrecer com as iniciativas do Beto, Rubens estava magoado comigo, por ter interpretado o meu apoio ao Beto, como uma demonstração de traição de minha parte, como se eu desejasse que ele fosse eliminado da banda, para a entrada de um outro guitarrista.
Não, absolutamente, não foi isso o que eu desejei. Aliás, eu nem interpretara os fatos sob esse viés, jamais. Eu nunca achei que o Beto estivesse a arquitetar um motim para derrubar o Rubens de sua própria banda, e sabia que tais tentativas feitas para se cogitar um quinto membro, houveram sido perpetradas sob uma outra intenção. E mesmo que houvesse essa planificação da parte do Beto, eu jamais apoiaria isso, pois seria um absurdo pensar nessa hipótese.
Mas por outro lado, o Rubens ao sentir-se magoado, foi a se distanciar de nós, o que me magoou também, pois estávamos a viver dias terríveis com as incertezas que rodeavam a nossa banda, e nesse momento agudo, perdemos o nosso companheiro querido, José Luiz Dinola, que era um remador exemplar em nossa embarcação. O mar estava super revolto como jamais esteve e nesse cenário, com um remador valoroso a menos, o mínimo que eu esperei foi que os três remanescentes dessem um grau de energia a mais, e remassem com ainda mais força, para suprir a ausência do Dinola. Porém, e eu entendo que ele, Rubens, estivesse aborrecido, mas sua atitude foi diametralmente oposta, ao se afastar.
Portanto, o frágil bote d'A Chave do Sol lutava contra o mar revolto, em meio a uma terrível tormenta, e só contava agora com dois remadores desesperados em não deixá-lo naufragar. Tínhamos muita divulgação para fazer e shows marcados para janeiro de 1988. Dessa forma, tudo o que precisávamos seria aproveitar tais chances para diminuir o efeito da tormenta, e assim colocar a banda em evidência novamente e a vender muitos discos, por que a dívida tornara-se enorme. Mas, o pior aconteceu...
Em meio a uma reunião realizada na residência do Rubens, pouco antes do natal de 1987, tais insatisfações de lado a lado foram colocadas, mas infelizmente o clima acalorou-se e diante desse impasse de mal-entendidos, e movido pela raiva momentânea em se sentir preterido em sua própria banda, Rubens declarou não querer mais prosseguir conosco, mas ao mesmo tempo proibiu-nos de continuar a usar o nome da banda adiante.
De fato, a concepção do nome da banda, fora dele, e o registro oficial do INPI estava em seu nome. Pelo lado emocional, claro que ele foi o criador do nome, mas pelo lado oficial, o registro em seu nome decorrera do simples fato de que ao não existir uma pessoa jurídica constituída, somente uma pessoa física poderia assumir a propriedade da patente, e quando decidimos por ele, Rubens, assumir isso, foi de comum acordo entre eu e Zé Luiz, cofundadores da banda, em uma noite de 1982, no escritório de um despachante de marcas e patentes que contratáramos e ajudamos a pagar. Portanto, moralmente, éramos também "donos" da marca.
Tal situação nos desnorteou completamente... particularmente eu fiquei arrasado, pois toda essa indisposição estava não só por precipitar acabar com a banda, mas a minar a minha amizade fraternal com o Rubens e de fato, depois dessa noite lastimável, ficamos anos sem nos falar, magoados um com o outro. Eu demorei anos para entender o que realmente acontecera e sobretudo, por que havíamos chegado nesse ponto de nos desentendermos dessa forma.
Se fosse para romper, o ideal, teria sido encerrarmos as atividades da banda de comum acordo, de forma amigável e cada um partir para outros projetos, sem brigas, mágoas e ressentimentos.
Todavia, eu e Beto não podíamos nem pensar em encerrar por um motivo muito simples: se a banda acabasse ali, as vendas despencariam e o novo LP que mal saíra do forno, encalharia de uma forma absurda, a inviabilizar completamente o pagamento das dívidas contraídas pela sua produção em si e que foram muito pesadas.
Nesse contexto, tudo o que eu quis, foi que o Rubens prosseguisse conosco e interiormente, eu mantinha esperanças, por indícios, de demover o Dinola de sua decisão, pois nessa altura, já sabia que ele desistira do plano de estudar odontologia. O que eu aspirei mesmo, foi reagrupar a banda, sacudir a poeira e dar a volta por cima, para retomarmos a trajetória de sucesso que construíramos, desde 1982.
Portanto, não tivemos outra alternativa a não ser criar uma banda dissidente e que mesmo sendo uma outra banda inteiramente diferente, se alimentasse do legado d'A Chave do Sol, para não confundir a cabeça dos fãs, e dessa forma, continuar a trabalhar ao máximo para estar de novo em evidência na mídia e vender discos, desesperadamente, a fim de levantarmos fundos para pagarmos as dívidas.
Então, foi assim que o natal e o reveillon de 1987, se apresentaram para A Chave do Sol: com um sabor amargo de derrota na boca, amizades fraternais abaladas por ressentimentos mútuos por conta de mal-entendidos, e o pior de tudo, a se finalizar com um racha irreversível. Ainda falarei sobre algumas ações de mídia que pertenciam ao espectro d'A Chave do Sol, e concluirei com capítulos de agradecimentos e análise geral da história da banda, mas a rigor, foi assim que a nossa querida banda desintegrou-se, infelizmente.
Para muita gente, a banda formada em janeiro de 1988, sob um novo nome, "A Chave", foi a continuação pura e simples da velha A Chave do Sol, mas eu não considero assim. A minha visão da história é outra, e nesses termos, considero tal banda como um outro trabalho, embora nos seus momentos iniciais, ela se justificasse para cumprir compromissos inadiáveis, que foram marcados na verdade, para a agenda d'A Chave do Sol e que por sua vez, com o seu final abrupto, tornaram-se impossíveis de serem cumpridos. Dessa forma, a nova banda criada, ocupou tal lacuna, emergencialmente.
Dessa maneira, abro um novo capítulo para contar a história dessa outra banda, separadamente, por tratá-la como a um outro trabalho onde fiz parte.
Estou escrevendo este trecho em julho de 2015, portanto, com quase vinte e oito anos de distanciamento histórico.
Nove dias atrás (10 de julho de 2015), fui ao show de lançamento da nova banda do Rubens (Gióia; Sucata & MusicMan), para prestigiá-lo, e aos seus novos companheiros.
Como fiquei contente em vê-lo a buscar um recomeço, e o clima de amizade entre nós restabelecido amplamente. Vi a sua mãe, a irmã mais velha, seu filho e muitos sobrinhos seus que eu nem conhecia, e me senti imensamente feliz por estar junto a eles, como se estivéssemos de novo naquela noite de 25 de setembro de 1982, a vivenciar o primeiro show d'A Chave do Sol, no palco do Café Teatro Deixa Falar...
Eu lastimo muito que o desânimo que nos acometeu em 1987, tenha minado completamente o nosso ânimo, ao deixar aflorar uma série de mal-entendidos que tornou a convivência, e sobretudo a continuidade do trabalho, impossível.
Esse começo do fim iniciou-se no limiar de 1987, ou até um pouco antes, ao final de 1986, quando nos desapontamos com a inoperância do escritório conhecido como Studio V, que nos empresariava. Concomitante à constatação de que não fariam nada em nosso favor, conforme o prometido em termos de expansão, não só amargamos tal frustração, mas também perdemos tempo precioso em não capitalizar o "momentum" excepcional que vivíamos em 1986 por nossos próprios esforços.
Quando nos demos conta, já havíamos perdido boa parte do embalo e pior que isso, o nosso aspecto emocional já se mostra outro, bem debilitado. Claro que com tal fator psicológico abalado, aflorou-se a insatisfação pessoal de cada membro, e isso também contribuiu para minar a banda, internamente.
Com o embalo a ser perdido, vislumbramos saídas, mas como já relatei, ainda amargamos algumas negativas da parte de terceiros que poderiam nos ajudar, e com requintes de crueldade em alguns casos já relatados. Isso foi a gota d'água para que o Zé Luiz, que vivia pressão pessoal por conta de suas indefinições sobre o seu futuro pessoal, desanimasse completamente.
A sua saída da banda, a alegar estar a abandonar a música, foi um duro golpe para nós. O Beto, por sua vez sempre foi pragmático. A sua reação não foi a de choramingar as perdas pelos cantos, e pelo contrário, ele saiu à rua para tentar achar soluções impossíveis. Mas tais ações de sua parte minaram o emocional do Rubens, que ficou muitíssimo contrariado, ao sentir-se preterido dentro de sua própria banda.
A ideia de lançar um disco, seria a salvação, mas ao mesmo tempo, foi uma loucura completa, pelo fator da falta de apoio externo, mas também pelo clima pesado no interno da banda. Se os três remanescentes estivessem unidos e imbuídos da vontade de salvar a banda a todo custo, talvez fosse amortizada essa carga, mas com o Rubens ressentido e afastado de nós, a banda esteve inteiramente sem forças.
Tínhamos os fãs e o respeito da mídia pelo trabalho construído, e nesses termos, apostamos todas as fichas em uma rodada kamikaze de poker, com cartas bem fraquinhas em mãos... então, será que o nosso poder de blefar assustaria os adversários?
Mas no frigir dos ovos, com o Rubens a interpretar tais tentativas da pior forma possível, a ruptura definitiva foi inevitável. Hoje em dia, eu considero a carreira d'A Chave do Sol, vitoriosa ao extremo. Conseguimos muitos feitos, e eu me orgulho muito de fazer parte dessa história.
Nunca chegamos ao patamar mainstream, mas o legado artístico que deixamos foi imenso. Influenciamos bandas que advieram na cena, muitos músicos em particular e deixamos saudade entre os fãs. O simples fato da banda ser muito citada até hoje em fóruns de discussão sobre o Rock brasileiro, e constantemente ser objeto de postagens e comentários acalorados (e positivos), em diversas redes sociais da Internet, prova o que estou a afirmar, e não acho que esteja a exagerar, e muito menos em usar bravatas tolas e egóicas, ou ter rompantes de soberba. Porém, falo sobre fatos e me orgulho desse legado deixado.
Assim acabou oficialmente a história da nossa banda, A Chave do Sol...
O próximo capítulo fala sobre a repercussão do LP The Key, inclusive a avançar sobre o ano de 1988, quando A Chave do Sol simplesmente não existia mais. Depois, farei a última análise a seguir e também comentarei sobre as tentativas de volta que a banda teve ao longo dos anos posteriores.
Continua...
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