Bem, com a calma restabelecida, tínhamos ainda muitas horas livres antes de irmos ao palco do festival para realizar o processo do soundcheck. Nesse ínterim, fomos, eu e Chris Skepis ao centro da cidade, e resolvemos tomar um suco, em uma lanchonete.
Impressionante, estávamos em 1997, o festival já existia há anos e todo o sul de Minas Gerais é frequentado por freaks, hippies, Rockers, esotéricos de diversas correntes, ufólogos e doidos em geral, desde o final dos anos sessenta, contudo, nós sofremos um bullying! Pessoas que se encontravam em tal lanchonete estavam a olhar-nos como se fôssemos alienígenas! Quando saímos do estabelecimento, e caminhávamos de volta ao hotel, um grupo de crianças veio a andar atrás de nós e uma delas perguntou-nos: -"por que tínhamos "cabelo de mulher?" O Chris adorou a exótica abordagem, ao dizer-me estar a sentir-se em 1962, com esse tipo de questionamento social a ocorrer conosco em pleno 1997...
Achei muito estranho esse comportamento, por todos os motivos que já eu expus acima. Enfim, fomos passar o som, e como fora de se esperar, o soundcheck foi tenso e bastante superficial.
No entanto, como o Pitbulls on Crack sempre fora uma banda tranquila e sem grandes exigências a exigir em seu "imput list" e "rider técnico", tudo sempre encaixava-se rapidamente. Só tínhamos um vocalista e todo o instrumental resolvia-se de forma muito simples. O ponto negativo deu-se com o contato agressivo e arrogante de uma banda oriunda do Rio de Janeiro, que estava a fazer um pequeno ruído na mídia, a seguir o vácuo de bandas de trogloditas a usar bermudas, contemporâneas suas.
Sendo bastante arrogantes, esses rapazes altivos pressionaram os organizadores para que a nossa passagem fosse encurtada, visto que queriam realizar a sua e estavam impacientes por esperar. A sua empáfia era absurda, e de certa forma coerente com a droga de música que faziam, com as suas péssimas influências e intenções. Enfim, uma cambada de garotos burgueses a usar bermudas, sem educação e a se acharem-se o máximo, por ter uma musiquinha mequetrefe que tocava no rádio, naquele efêmero instante.
Voltamos ao hotel e após o jantar, dirigimo-nos ao local do show, e quando chegamos, já havia começado o evento. A banda que antecedia-nos foi o "Soul 4 Everybody", que surpreendeu-me positivamente. Foi de fato, uma banda a tocar Soul Music com qualidade, a demonstrar possuir ótimas influências no padrão 1960 & 1970 dentro da Black Music. Era formada por bons músicos e vocalistas, e atuava com bastante swing. Foi um verdadeiro oásis dentro de um festival, onde a maioria fora orientada pelo sofrível "Indie-Rock", ou pior ainda a seguir as tendências peso-pesadas das cavernas habitadas por seres cro-magnon, como a banda que eu citei acima e que nos destratara.
Menção honrosa, gostei também do "The Charts", que nitidamente fazia um som de "Bubblegum" a la anos sessenta, bem parecida com a banda britânica e famosa em voga na época, o "Supergrass" e outras bandas similares, e oriundas do movimento "Britpop" noventista. Chegou a nossa vez de tocar. E o nosso show foi morno, devo dizer. Não empolgou, mas tampouco despertou contrariedades para o público presente.
Tocamos o nosso set, sem sustos, e a receptividade do público não passou do nível "respeitoso", digamos assim. Se fosse para dar uma nota, seria um show nota com cinco ou seja, muito pouco para uma banda com estrada e que recém havia lançado um novo CD, com repercussão em mídia mainstream etc. Foi o dia 26 de julho de 1997, e cerca de duas mil pessoas estiveram nessa praça pública, a nos ouvir, aproximadamente. Foi mais um sinal de que a vitalidade como banda, nesse instante, estava bem baixa.
De volta ao hotel, uma "outra viagem" instaurou-se coletivamente. Alta madrugada em curso e com um frio de rachar, o Chris estava bem animado pela "trip" que experimentava e em meio a tal devaneio, ele quis esquentar os seus pés em uma lareira que o hotel possuía. Ao aproveitar o calor nos pés, e sabe-se lá onde estava a sua mente nessa viagem, só percebeu que corria perigo quando o porteiro do estabelecimento contou-lhe que as respectivas solas de borracha de seus dois pés de tênis, haviam descolado-se dos calçados, e estavam a colar-se uma na outra, o que foi algo bizarro.
Foi quando o porteiro ao perceber a situação, passou a contar histórias sobre discos voadores e alienígenas, um assunto bastante recorrente naquelas cidades do sul de Minas Gerais, com tantas ocorrências nesse sentido ufológico, e também pela forte tradição de contracultura hippie que existe por ali. Minutos depois, no quarto, ao ver desenhos animados sem som pelo aparelho de TV, e naquele estado lisérgico, eis que um estranho barulho começou a incomodar. Influenciados pelas histórias do porteiro, alguém aventou a possibilidade de haver um "chupa cabras" ali dentro, e isso gerou uma paranoia digna de filme de Cheech & Chong. Foi quando o Chris abriu a janela que dava para a rua e descobriu a origem do ruído seco e contínuo que julgáramos ser o de um alienígena... e na verdade, se tratara de um funcionário da prefeitura, um varredor de rua, a varrer a sarjeta a usar uma exótica vassoura de piaçaba. Pois é, veja o que a lisergia é capaz de promover na mente humana...
A viagem de volta foi longa e cansativa. Saímos por volta das 15:00 horas da bela Caxambu, mas quando atingimos a via Dutra, estrada que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, o tráfego era muito intenso naquele horário (17:00 horas, aproximadamente), e isso retardou-nos bastante. Para piorar a situação, o ônibus quebrou, a atrasar ainda mais a nossa volta. O lado ameno disso, foi que muita gente estava a viajar sob outro parâmetro dentro desse ônibus, e uma daquelas bandas que viajavam (nos dois sentidos), conosco, levara consigo um som portátil e que tocou durante o percurso inteiro, uma coletânea a conter bandas obscuras dos anos sessenta, com trabalhos a gravitar entre o Bubblegum, Garage Rock, Acid Rock e Psychedelic, tudo intenso ao extremo, portanto em um dado instante, muita gente flutuava, literalmente dentro desse verdadeiro "magic carpet ride" em que transformou-se o ônibus.
Chegamos extenuados em São Paulo, já passava das 21:00 horas, e com a certeza de que se haver tocado no festival não mudaria nada em nossa carreira, ao menos tínhamos divertido-nos bastante. Mas como eu tinha trinta e sete anos de idade, recém completados naquele instante, a minha tolerância com esse tipo de situação estava bem baixa.
Nessa altura do campeonato, fazer shows de "investimento de carreira", ainda que a ser bem tratado, com direito a um bom hotel, comida farta de qualidade e tudo mais, não parecia-me condizente com a minha idade cronológica, tempo de carreira, currículo acumulado etc.
Portanto, isso só corroborou a minha visão de que o Pitbulls on Crack, foi para a minha percepção de momento, um bagaço de laranja sem mais nenhuma gota a ser explorada, e falo isso com todo o respeito aos companheiros, e ao trabalho da banda, mas a ser apenas muito realista. Nessa altura, já estava então, formatado o meu desejo de sair e formar uma nova banda, em busca de meu sonho primordial, sem concessões e radical em seus propósitos, pois isso refletira a minha total insatisfação em lutar dentro das regras dos inimigos. Se nem assim conseguia um espaço, mínimo que fosse, estava disposto a largar mão dessa busca frenética e despreocupado, fazer apenas o que gostava, sem importar-me em ser anacrônico. Faltava muito pouco para a minha história com o Pitbulls On Crack, encerrar-se...
Continua...
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