Com o
pessoal do Golpe de Estado, o convívio foi sempre fraternal, é claro. E o pessoal d'Os
Inocentes e do Ratos de Porão, também eram bacanas. Quando deram-nos aviso que em breve iniciar-se-ia o show, pedimos para um de
nossos roadies, o meu aluno, Ricardo Schevano, ligar o stand-by dos
amplificadores e dar uma checada na bateria e mais uma tarefa, que foi de
ordem de detalhe cênico: colocamos muitos incensos em cima dos
amplificadores e praticável de bateria, e muitos ramos de flores frescas
que compráramos em uma floricultura, naquele mesmo dia.
O conceito
"Peace and Love", fazer-se-ia presente perante um público agressivo e
avesso, para fazer jus ao aparato de lançamento de nosso disco, contudo,
não estávamos a atuar no Festival de Monterey de 1967, infelizmente.
Quando o
Ricardo subiu ao palco e acendeu os incensos, passou meio batido para
aquele mar de garotos de camisetas pretas com estampas as mais abomináveis, mas
ele quando trouxe os ramalhetes de flores e colocou-os sobre os amplificadores...
Uma
vaia muito intensa foi ouvida por nós, que chegou ao camarim, e pior,
seguida de um coro típico de estádios de futebol, a mexer diretamente com ele, na
questão de sua sexualidade.
Hoje em dia, o Ricardo está acostumado a
tocar em estádios de futebol lotados, para mega plateias, ao pilotar o seu
baixo no "Baranga" & "Carro Bomba", e domina qualquer público sem esforço, mas naquela
época, ainda muito jovem e inexperiente, ficou bastante chateado com
essa provocação e chegou bastante contrariado ao camarim, a dizer-nos que nunca
mais faria essa tarefa, e que deveríamos contratar outra pessoa para tal etc.
Claro, além dos apupos da polateia ele também foi alvo das pilhérias automáticas dos humoristas do Pitbulls on Crack. Depois
ele acalmou-se e trabalhou normalmente durante e após o show e deu
risada do bullying coletivo, que sofreu da parte de cerca de três mil garotos.
Enfim, chegou a hora de subirmos ao palco e começarmos. Algumas
poucas provocações foram ouvidas só por aparecermos no palco, mas nada
acintosamente que caracterizou uma ação sob baixo astral. Até em shows tranquilos, a qualquer momento
poderia surgir uma manifestação inconveniente. Sempre há um sujeito doidão, bêbado
ou disposto a ter os seus quinze "segundos", nem minutos, de fama...
Raríssima foto desse show ocorrido no Palco da Represa. Acervo e cortesia de Jason Machado
Começamos a
tocar e aparentemente o público uniformizado com camisetas pretas
(impressionante e sintomático, é claro), estava a respeitar-nos, sem
hostilidades. Foram duas, três, quatro músicas e estivemos até
surpreendidos pela falta de manifestações nesse sentido, e até pelo
contrário, ao final de cada música, palmas, ainda que bem esparsas, foram
ouvidas e muitos meninos a nos sinalizar com aquele ridículo sinal de "malocchio",
claramente como uma demonstração de apoio à banda, devo reconhecer.
No
meio do show (claro, o nosso set list foi curto, mediante aproximadamente quarenta e cinco
minutos, sob um padrão de banda "open act"), subitamente, uma latinha de
refrigerante voou do meio da plateia e caiu no palco.
Olhei para
trás e vi o Juan Pastor a rir, pois ficáramos dias a imaginar que seríamos
alvo de uma chuva de latinhas. Claro que se uma lata foi arremessada,
na melhor tradição do "atirar a primeira pedra e atiçar o
apedrejamento", deu margem ao pior....
Outras começaram a ser
arremessadas, e chegou-se em um ponto, onde ficou assustador, pois o volume
ficou grande e algumas, vinham pesadas, com o líquido quase todo em seu interior, onde certamente a
intenção de seus respectivos arremessadores, foi a de atingir o alvo,
com o objetivo de machucar os artistas ali presentes, no caso, nós.
Perdoem-me, mas tolerância à parte, nesse quesito eu não consigo concordar
com esse tipo de atitude e por favor, poupem-me de
contra-argumentações sobre o "desconstrutivismo iconoclástico
pós-moderno" ou qualquer outra imbecilidade travestida de um suposto
sentido estético/comportamental.
Posso ser um hippie démodé, mas
ainda acho que se não gosto de um artista, retiro-me do local e não
tento agredi-lo, ora, ora...
Por um verdadeiro milagre, nenhuma
lata atingiu nenhum membro da banda. Algumas passaram perto e houve um
auge dessa saraivada, que mesmo ao continuarmos a tocar, e nunca deixarmos de tocar,
foi possível para ouvir o som do zunido de tais bólidos a passar por nós, e
a bater nos pedestais de microfone, amplificadores, praticável de bateria,
e caixas de monitoração.
Como continuamos a tocar e rir da
situação (foi o Pitbulls on Crack, ora...), o ataque diminuiu e parou, com a banda
a chegar a tocar mais uma ou duas músicas, não recordo-me com precisão.
Pasmem! O público ao final aplaudiu e aumentou muito o número de garotos que
ergueram as suas mãos para saudar-nos com o abominável "malocchio" (aquela
imbecilidade de associar o Rock a um sinal que remete a uma manifestação oriunda da Idade Média), mas
claro, eu entendi que foi a forma "carinhosa" de expressar que haviam
gostado, talvez não de nossa música, mas da atitude de continuar a tocar
e não retaliar o ataque de latinhas. Vá entender o raciocínio e visão
ética desse tipo de garoto daquela época?
Então, eu não resisti e a viver
aquela loucura idiossincrática de resgatar os valores que amava, forcei
uma barra, a aproveitar-me desse momento ameno, fiquei com os dois
braços erguidos, a fazer o sinal de "Peace and Love", a correr o risco,
mesmo. Eu já estava convencido de que aquilo não soaria como uma
provocação, pois foi claro que aquela garotada de 1997, nem sonhava com
as implicações ideológicas de 1977.
E surpreendentemente, muitos
começaram a repetir o meu sinal. Pouco importava se entenderam a
implicação de tudo isso. O importante, foi que apesar de tudo, o Pitbulls on Crack saiu
respeitado do palco, apesar do ataque gratuito, e aquelas centenas de mãozinhas a fazer o sinal de "peace and
love", valeu-me, naquela tarde.
Assistimos boa parte do
show do Golpe de Estado, e quando a produção estava a mudar o palco para o set up
dos Ratos de Porão, nós desmontamos a nossa tenda hippie e embarcamos na
van, para voltar para a casa.
Já era noite adentro quando partimos e toda essa história ocorreu no dia 26 de abril de 1997, um sábado.
Cerca de três mil pessoas estiveram presentes no "Palco da Represa", a assistir esse micro festival.
Curiosamente,
ainda haveria um lampejo de oportunidade gerida pelos contatos do Juan
Pastor. Seria o penúltimo, de uma longa série iniciada em 1992.
Foram os últimos momentos do meu tempo com o Pitbulls On Crack...
Continua...
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
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