quarta-feira, 8 de julho de 2015

Autobiografia na Música - Sala de Aulas - Capítulo 95 - Por Luiz Domingues


Eu nunca pensei em ser professor, embora tenha uma admiração total por essa profissão, que considero nobre, fundamental e muito injustiçada, muitas vezes. A primeira vez que deparei-me com tal atividade, foi na verdade um pedido de um amigo que gravitava na órbita d'A Chave do Sol, a minha banda nos anos oitenta, da parte de um rapaz chamado, Iran Bressan, guitarrista que tocava em uma banda iniciante chamada: "Archibaud's Band", que posteriormente mudou o seu nome para, "Fênix".

Iran queria na verdade algumas dicas sobre teoria musical e nada sobre instrumento, pois na prática, já tocava com desenvoltura, nessa época, 1983. Foram poucas aulas, sob caráter gratuito e ministradas diretamente na residência do guitarrista d'A Chave do Sol, Rubens Gióia, em nossa sala de ensaios.

Somente em meados de 1987, quando tal banda passava por uma fase difícil em vários aspectos, e eu a precisar de reforço financeiro, foi que acatei a sugestão do baterista, Zé Luiz Dinola, para abraçar tal atividade em paralelo, com o objetivo concreto de passar a dividir o meu tempo com as atividades musicais normais da minha carreira. Tal dinâmica, portanto, com carreira artística a dividir-se com o horário para lecionar, seria a minha rotina daí, julho de 1987, até abril de 1999.

A primeira aula que eu ministrei oficialmente, foi em julho de 1987, portanto, e no escritório onde por anos a fio, as atividades do fã-clube d'A Chave do Sol foram desenvolvidas. Tal estabelecimento pertencia ao pai do Zé Luiz Dinola. O meu primeiro aluno se chamava, Zé Roberto e não era adolescente, mas já adulto, e detinha um bom nível ao instrumento, portanto ficou pouco, para sair ainda no mesmo ano.

Não pude ficar muito tempo ali, portanto, pois tive que dividir o espaço com o próprio, Dinola, que também ministrava aulas de bateria. Mudei então as minhas aulas para a residência do Beto Cruz, vocalista d'A Chave do Sol na ocasião, e que também abrigava os ensaios da nossa banda, em 1987.

Nessa fase, de agosto de 1987, até março de 1989, marcou uma ascensão com o aumento do número de alunos, e o esboço do que seria o método que eu mesmo inventei para trabalhar. Tal metodologia foi forjada de uma forma simples ao extremo, com o uso e o abuso de exemplos oriundos do Rock expresso nos anos 1960 & 1970, a tornar-se a minha base afetiva natural.

Mas nesse primeiro instante, a clientela ainda fora formada por um grosso de adeptos do Heavy-Metal oitentista. Foi um pouco sofrido no meu caso, pois muitos queriam que eu lhes ensinasse músicas que eu mal conhecia, pois tal gênero (e os seus muitos derivados), nunca foi de meu agrado.

Eu, Luiz Domingues, a tocar saxofone, e a ler partitura de um songbook do Yes... concepção visual bizarra do amigo, Carlos Muniz Ventura, em seu estúdio fotográfico. Foto de 1989 

Em março de 1989, quando eu mudei o local das minhas aulas para a minha própria residência, finalmente aí, começou uma escalada vertiginosa em termos de quadro de alunos. Daí até 1996, eu tive os anos de pico, com média alta de alunos, a atingir um grau de praticidade muito grande. Estava a amoldar-me à função, como jamais pensei que fosse estar a praticar em algum dia.

De 1989 em diante, o perfil dos alunos pôs-se a mudar. Alunos com perfil "metaleiro" foram a escassear, e uma nova safra surgiu aos poucos. Adeptos de novas sonoridades noventistas, foram a surgir, notadamente seguidores do grupo de Rock, "Guns n' Roses", mas também entusiastas do movimento "Grunge" de Seattle, apreciadores do indie rock "pós"-pós-punk, e os primeiros sinais de saudosistas de som vintage.

No ano de 1990, eu mudei de endereço, mas sem prejuízo algum ao enorme fluxo de alunos que eu já mantinha.

Uma nova mudança residencial ocorreu em setembro de 1991 e agora neste novo instante, tal nova morada (e sobretudo a sua sala de aulas), transformar-se-ia no símbolo máximo da minha atividade como professor.
A velha sala da Rua Castro Alves, no bairro da Aclimação, em São Paulo e que marcou época. De 1992 em diante, mitificou-se como o grande "QG" de uma turma que vibrou como nunca a "good vibe woodstockiana" que cala fundo para as minhas convicções pessoais.

Uma turma notável, ali se forjou, quando muitos se tornaram amigos eternos, companheiros de ideais e até sócios em empreendimentos artísticos, casos de Rodrigo Hid e Marcello Schevano.

Nem a súbita e inexplicável queda de movimento, a partir do segundo semestre de 1996, tirou esse brilho. E assim, eu encerrei a minha atividade como professor, no mês de abril de 1999, ciente de que se nunca foi o meu objetivo de vida ser efetivamente um professor de música, enquanto "estive" professor, dei o meu melhor para o aprendizado de meus alunos.

Alguns outros aspectos que eu preciso enumerar:

1) Sobre o método - Baseei-me nos meus influenciadores naturais, para criar exercícios e assim propor o desenvolvimento da percepção do aluno. Foi 90% prático, em essência, com teoria básica e imprescindível para iniciar o entendimento, mas sobretudo, a apostar na capacidade inventiva do próprio aluno. Com a prática didática, eu aprendi que o aluno precisava apenas confiar em sua própria capacidade instintiva. Quem embarcou sem medo nessa sutileza de minhas aulas, se deu bem.

2) Abordagem - Principalmente no início, quando a maioria esmagadora dos que me procuravam eram fãs da minha banda, A Chave do Sol, o meu primeiro desafio foi sempre quebrar o gelo. A inibição para tocar na minha frente, mesmo que já tivesse uma boa noção do instrumento, era total, portanto, aprendi a quebrar qualquer barreira que pudesse existir entre nós, e a ganhar a confiança do aluno, tudo ficava mais fácil para ambos.

3) Paciência e incentivo - No aspecto psicológico, as minhas aulas se baseavam nesses dois pilares básicos. Quem foi meu aluno sabe que a minha paciência em esperar o lento progresso de cada aluno ocorrer, vinha da minha compreensão dos limites de cada um, naquele instante. 

Por outro lado, abomino professores que usam de tática de "bullying" para estimular os alunos. Conheço professor que desdenha, debocha, provoca, no intuito de fazer com que o aluno sinta raiva e desse sentimento, busque estudar muito para provar ao professor que não é incapaz. Trata-se de uma metodologia, eu entendo, mas eu apostei na contramão disso. Ao relevar os erros com naturalidade, respeitar as limitações, e incentivar com elogios, para cada pequeno progresso, mínimo que fosse, o meu lado espiritualizado ficava muito mais confortável comigo mesmo, e o aluno seguro de si, a acreditar nele mesmo.

4) Rebeldia e insubordinação - Tive poucos casos de aborrecimentos por conta de alunos mal-educados que destrataram-me por algum motivo. Relatei-os em capítulos correspondentes à sua cronologia, portanto, é desnecessário repetir.

5) A zoeira como um elemento didático - Falei isso e reforço: desde o início, eu percebi que um ambiente de aulas bem descontraído detinha dupla função. Primeiro por ficar mais leve para todos. Segundo, pela percepção do aluno. Se o aluno conseguia absorver o que lhe ensinava, com outras pessoas a falar e rir em sua volta, foi, por incrível que pareça, um benefício e tanto à sua capacidade de percepção musical. Isso foi uma experimentação empírica, e eu diria, um achado para a minha metodologia.

6) O cansaço - Não nego, muitas aulas seguidas esgotavam-me completamente. Apesar de ser prazeroso o convívio, na maioria das vezes e como tanto destaquei, principalmente de 1992 em diante, cansava-me bastante.

Principalmente durante as maratonas normais dos sábados, onde por anos, ministrei aulas das 8:00 horas da manhã, até ás 20:00 horas, sem interrupção para almoço e jantar. De 1989, até meados de 1993, tal dinâmica foi muito extenuante, e muitas vezes agravou-se pelo fato de eu ter tocado na sexta a noite/madrugada, ou ter um compromisso dessa natureza para o sábado a noite.

7) O psicólogo -  Não foram poucas as vezes que certos alunos ao afeiçoar-se à minha pessoa, buscaram aconselhamento em questões pessoais, inclusive fora do horário de aulas. Muitas vezes eu tive que passar horas ao telefone, a acalmar aluno que havia se indisposto com a namorada, familiares, colegas de trabalho, escola, e bandas. Foi sempre desgastante, mas eu nunca deixei de ser um amigo fora das aulas, sempre que pude. Hoje, se eu passasse por tal situação não faria o mesmo, pois isso não é saudável para ninguém.

8) Polo de agitação cultural - Sempre, desde o começo, eu incentivei os meus alunos com as suas conquistas musicais, mesmo que fossem ainda insípidas, através de ações com bandas muito iniciantes. Ao longo dos capítulos, contei muitas histórias nesse sentido.

9) Política, cidadania, cultura & cotidiano - Nunca deixei que as minhas aulas ficassem centradas somente na música. Ao incentivar a conversa, sempre fiz questão de diversificar os assuntos, para não deixar o ambiente mumificado em uma área apenas. Nas épocas de eleições, discussões acaloradas aconteceram, mas nunca houve extrapolação. Sempre com um nível bom a privilegiar ideias e respeito à divergência da visão de cada um.

10) Ludopédio - O futebol teve sempre espaço nas minhas aulas. O assunto sempre foi era amplamente discutido. Muitas vezes fui à estádios para assistir jogos, acompanhado de alunos, e os dois campeonatos de futebol que organizei na minha garagem, foi uma das loucuras mais prazerosas, que ficarão para sempre na minha lembrança.

11) A Chave do Sol - Quando comecei a ministrar aulas, infelizmente, a minha banda passava por um grave momento de turbulência. O grande contingente de alunos que procuravam-me com desejo de aprender comigo, foram fãs dessa banda, mas ela estava na verdade, a encerrar atividades. Uma grande pena, portanto, mas eles, os alunos, nada puderam fazer para evitar isso.

12) A Chave/The Key - A dissidência d'A Chave do Sol que montou essa banda alternativa e que teve dois nomes, contou com a participação mais ativa, portanto, na história de minhas aulas. Os meus alunos costumavam frequentar os seus shows, e houve até uma participação efetiva, caso de Cesar Cardoso, aluno de 1988, que foi roadie da banda.

13) Fase híbrida - Entre 1990 e 1991, eu fiquei sem uma banda, formalmente, mas tive muitas participações em projetos que não vingaram, ou que foram efêmeros. Porém, muitos alunos acompanharam tais ações, caso de José Reis, que ofereceu-se para ser meu roadie em apresentações de uma banda tributo ao Black Sabbath (Electric Funeral), e outros trabalhos dessa natureza;

14) Pitbulls on Crack - Essa foi, sem dúvida alguma, a banda onde atuei que mais os meus alunos interagiram, ao ajudar imensamente. Ao longo dos capítulos, eu contei com muitos detalhes o quanto eles me ajudaram direta ou indiretamente a fomentar tal trabalho, e mais uma vez cito o José Reis, como exemplo de dedicação, tendo sido roadie da banda, por anos, além de Luiz Gustavo, Marcos Martines, Toni Peres Rodrigues e Ricardo Schevano, também, ainda que em tempo menor de permanência, cada um;

15) Sidharta - Sem dúvida que tal banda foi o coroamento de todo um esforço que fizemos para resgatar os valores perdidos no Rock e teve tudo a ver com os ideais que foram reverenciados em minha sala de aulas.

16) Patrulha do Espaço - Praticamente o meu início como integrante desta banda coincidiu com o término de minhas atividades, mas o grosso do meu exército Neo-Hippie, acompanhou o grupo, com força total, nos anos seguintes. E nos primeiros tempos do conjunto, em 1999 e 2000, a ajudar efetivamente na produção, em vários aspectos.

17) Pais ou Responsáveis - Eu nunca tive problemas com os pais ou responsáveis, que me recorde. Pequenas indisposições completamente irrelevantes para a autobiografia, nem mereceram destaque. Pelo contrário, tive bom relacionamento com a maioria esmagadora. E até houve casos surpreendentes, como por exemplo, o protagonizado por um pai que abordou-me certa vez, só para me dizer que o seu filho era problemático, e que ele, pai, estava admirado como as aulas o haviam acalmado, e mais do que isso, que o adolescente me admirava e respeitava. Caramba, eu não era um psicólogo, mas se indiretamente consegui tal feito, que maravilha para o garoto e sua família.

18) Vizinhança - Sempre tomei cuidado para não incomodar a vizinhança. Primeiro que tenho essa postura na vida, normalmente: não incomodar para não ser incomodado. Mas também, para nunca colocar em risco o meu local de trabalho, pois ter que mudar-se por alguma indisposição, seria um transtorno.

Tenho muito orgulho de todos os que passaram pela minha sala de aulas e seguiram na música, a construir, carreiras e realizar obras.
Também me enaltece os que citam essa fase de suas vidas com saudade. É recíproco.

Caricaturas com alunos e agregados, feitas pelo aluno, Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, em 1995


Infelizmente, e já falei isso várias vezes ao longo deste capítulo, eu perdi o meu caderno de notas, onde mantinha anotado todos os nomes de alunos. Adoraria encerrar este capítulo a citar nominalmente a todos, sem exceção. Não vai ser possível, infelizmente, pois a minha memória é geralmente boa, mas não é prodigiosa nesse nível.  
Com o meu ex-aluno, Wildmarc Matherson, em num show do Pedra, em Santo André/SP, no ano de 2009. Foto de seu acervo pessoal

Farei um esforço hercúleo para nominar todos os que me lembrar neste instante, nem que seja pelo nome incompleto ou uso de algum apelido. Como no Blog eu posso editar a qualquer momento, fica a ressalva de que poderei corrigir e acrescentar sempre que a minha memória refrescar-se espontaneamente, ou pela abordagem de ex-alunos pelas redes sociais da internet. Isso vale também para a inclusão de materiais e fotos. Sobre fotos, aliás, tenho poucas, lamentavelmente. Gostaria muito de ilustrar com a foto de todos, e na época de suas respectivas etapas em meu quadro de alunos. Se  surgirem novidades nesse sentido, posto no Blog, de imediato.

Alunos:

Zé Roberto, Roberto Garcia Morrone, Jameson Trezena, Cristina, Marcelo "Carioca" Dias, Renato Kermentz, Roberto Oliveira; Cesar Cardoso, Cesar Talarico, Glauco Teixeira, Daniel Faria, Wagner, Dney Di Courel, Marco Antonio Rossi, Marcos Pessoto Lira, Fernando Vaz, Carlota Brito, Brito (irmão da Carlota), José Reis Gonçalves de Oliveira; Daniela, Marcelo Gonzalez, Milton Feitas, Nando Machado, Claudio Sanches, Nelson Binatti, Peloso, Gisele, Junior Peloso, Tomás Grimas, José Carlos Ferreira, Hermeson Milani, Magá, Lincoln, Simone Zerbinato, Anderson de França, Flavio Sozigam, Alcione Sana, Christian Du Voisin, Monica Maia, Luiz Gustavo, Carlos Keller Rodrigues (Cali), Marcos Martines, Rodrigo Garcia, Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, Thiago Fratuce, Marcelo Bueno, Sergio Frugis, Artoni, Ricardo Schevano, Jamé, Jamézinho, Mendes, Edvaldo "Prik", Wildmarc Matheson, Ronaldo Alexandre Barbuy, Ediane dos Santos Oliveira, Cristiane Leonardo Piovesan, Edilberto (Edil) Postól, Luiz Nannini, Marina Yoshie, Paola Pelosini, Carolina, Titão, Fernando Moracci, Paulo de Tarso, Branchini, Flavio, Nishimoto, Roberto Takahashi, Flavio Amaya, Puppo, Anelise Barretto, James Castello, Cris Billivier, Rogério Zolin, Emmanuel Barretto, Eduardo Niglio, Marcos Mesquita, Marcello Garbine, Adriano Diaz e muitos outros cujos nomes não me recordo.

Meu muito obrigado a todos eles, e estendido aos que não mencionei por puro esquecimento. Foram mais de duzentos no cômputo geral, mas só citei oitenta e um, acima. Peço perdão aos demais pela omissão de seus nomes. Agradeço sobretudo pela oportunidade de ter tido um aprendizado enorme, através desse contato humano, direto. Os meus alunos ensinaram-me muito mais do que eu pude ensinar-lhes, mediante os meus parcos recursos didáticos. Deixo registrada aqui, a frase lapidar de minha sala de aulas: "Dúvidas, perguntas?"

Está encerrado este capítulo da minha trajetória na música. Muito obrigado por ler, amigo leitor! Daqui em diante a minha trajetória na música segue pela minha história com a dissidência d'A Chave do Sol, uma dramática banda nova que teve que ser formada às pressas, sob o nome de "A Chave" e que posteriormente mudou para "The Key".

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