quarta-feira, 29 de julho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave/The Key - Capítulo 3 - Por Luiz Domingues



Nesse cenário angustiante, a se pisar em terreno minado, fomos a lutar duramente pela sobrevivência. Atormentados pelas dívidas, a ; vender discos no braço, literalmente, montar uma nova banda desvinculada da velha banda extinta, mas ao mesmo tempo tendo que manter elo estratégico a usar das cinzas ainda quentes da banda antiga destruída.

Já com o protocolo da nova marca em mãos, pelo menos sabíamos que o Rubens não poderia reclamar dessa dissidência forçada de nossa parte.  

Agora fora a hora para juntarmos os cacos, e tentar dar dignidade à esse novo trabalho. Em princípio, não havia nenhuma chance de pensarmos em renovação do repertório. Tínhamos que tocar as músicas do LP The Key, mesmo ao se correr o risco de dar-se um nó na percepção dos fãs da velha, A Chave do Sol.

Mas um ponto positivo ocorreu, assim que começamos a conversar com os membros recém chegados: a ideia sempre foi renovar completamente o repertório, a mostrar uma nova identidade. Certo, os dois ex-membros d'A Chave do Sol, estavam a montar uma nova banda, e que não poderia ser entendida como a continuidade d'A Chave do Sol, simplesmente.

Enfim, foi uma situação totalmente embaraçosa e desagradável portanto, porque o ideal teria sido que A Chave do Sol houvesse superado a sua crise interna, e se colocasse disposta a tocar a vida em frente, prioritariamente, ou sob uma segunda hipótese, que essa nova banda fosse formada com um nome completamente desassociado d'A Chave do Sol, e com calma para efetuar o seu processo de montagem.  Mas não foi assim que aconteceu, infelizmente...

O contato inicial com os novos componentes foi muito cordial e melhor que isso, eu senti da parte deles, a empolgação para começar a trabalhar. De certa forma, foi bom receber essa energia, pois eu e Beto estávamos bastante desgastados com os acontecimentos dos últimos meses, e principalmente pelo seu desfecho tristíssimo para todos nós, ex-membros d'A Chave do Sol. Ouso dizer que eu estava emocionalmente pior, primeiro pelo fato dele, Beto, ter uma personalidade mais telúrica que a minha, e diante da adversidade, o seu pragmatismo sempre o levava a tomar providências imediatas para mudar o quadro, ao não se deixar levar para um estado depressivo.

Zé Luiz Rapolli e Theo Godinho, eu conhecia superficialmente, por conhecer o "Jaguar", a sua ex-banda. Eu nunca havia conversado com eles, mas já os cumprimentava pelo menos desde 1985, em  bastidores de shows, e cheguei a assistir um show do próprio Jaguar, certa vez. Já sobre o tecladista, Fabio Ribeiro, eu tinha tido a experiência dele tocar no último show d'A Chave do Sol, em dezembro de 1987, no Teatro Mambembe. Apenas não conhecia o Eduardo Ardanuy, que fora uma descoberta do Beto Cruz. Pelo que me contou, ele ouvira boatos de que um rapaz muito jovem tocava pela noite, com pequenos combos improvisados e detinha a fama de ser um virtuose ao instrumento, com estilo muito parecido com o do guitarrista sueco, Yngwie Malmsteen.  

Tal guitarrista internacional houvera tornado-se uma febre entre os guitarristas que professavam o Hard-Rock oitentista no mundo todo, pela sua absoluta destreza ao instrumento, mas sob um patamar muito acima do normal para um guitarrista considerado excelente. Esse tal Malmsteen, tocava com uma técnica absurda, e sob uma velocidade tamanha, que tratou por encantar muitos guitarristas que passaram a estudar de uma forma estonteante para alcançar tal patamar semelhante de sua técnica.

O som que ele produzia, era uma mescla entre o Hard-Rock com o Heavy-Metal oitentista, mas havia um quê de Hard-Rock setentista nessa mistura, principalmente via Ritchie Blackmore, o mítico guitarrista do Deep Purple, que arregimentara milhões de seguidores de sua guitarra super técnica, a unir os riffs de Jimi Hendrix (incluso o uso e abuso de alavancas e efeitos gerados pela microfonia), com música barroca, principalmente o som de Johann Sebastian Bach, Vivaldi e contemporâneos. Malmsteen fora um desses fanáticos fãs de Blackmore, mas ali na década de oitenta, a sua pegada ficou muito mais puxada para o Hard-Heavy oitentista, naturalmente. Edu Ardanuy foi um admirador de Malmsteen e a sua técnica era tão impressionante, que mesmo ainda sendo um garoto desconhecido, já fora apelidado como: Edu "Malmsteen."

Particularmente, eu nunca gostei de Malmsteen, e muito menos de tudo o que se a circunstância. Mas naquele cenário que se desenhara em 1988, pareceu-nos não haver saída para nós, e com a agravante de estarmos aflitos e a fazermos tudo às pressas, nem teria muito cabimento questionar a linha a ser adotada.

Ao irmos com a maré, portanto, e a contar com Edu e Fabio (que igualmente era um virtuose das teclas e estava a apreciar muito aquela onda de virtuosismo "malmsteeneano" vigente, apesar de ter igualmente uma boa formação Prog-Rock setentista), tornou-se inevitável que entrássemos nessa senda.

Sobre o Theo, este fora uma guitarrista com muitas virtudes, mas não necessariamente um virtuose como Edu. Mais parecia ser um guitarrista clássico de Hard-Rock oitentista, embora apresentasse uma bagagem setentista interessante, também.

A respeito do temperamento desses novos companheiros, achei de princípio, o Zé Luiz Rapolli bastante simples e amigável. Fabio Ribeiro era muito brincalhão, mas sem dúvida um bom menino, e uso esse termo, pois ele tinha dezessete para dezoito anos na ocasião. Theo Godinho pareceu-me gentil, mas mostrava-se tímido, e Edu era calado, parecia um rapaz focado na música e sem muitas palavras. Em suma, em meio a tantas adversidades que estávamos a enfrentar, ao menos ficamos aliviados em constatar que arrumáramos quatro músicos muito competentes; com vontade de encarar o desafio dos compromissos em cima da hora, e com poucos ensaios. E todos eles a se mostrar como pessoas de muito boa índole. E começaram os ensaios, enfim.
O tecladista, Fabio Ribeiro em foto mais ou menos da época em que entrou nessa nova banda que formamos.

Continua...

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