Estávamos desde o segundo semestre de 1994, a ensaiar em um estúdio no
bairro do Ipiranga, zona sudeste de São Paulo.
Chamava-se "Spectrum" e
lá, no ano de 1996, culminou em gravarmos o CD "Lift Off", conforme eu já relatei
amplamente.
Éramos bem tratados pelos donos e pelos funcionários, e estávamos habituados ao seu funcionamento etc.
Mas
os seus dirigentes tinham um problema estrutural em relação ao estacionamento para
atender os seus clientes.
Apesar de estar instalado em um antigo casarão residencial e bem
amplo, não dava para garantir o abrigo para quinze a vinte carros de clientes
e funcionários que ali frequentavam-no todas as noites...
Eles tinham quatro salas
de ensaios e, na parte de cima, funcionava o estúdio de gravação, ou
seja, ficava um trânsito de vinte e cinco a trinta pessoas, fora os funcionários do
estúdio, e possíveis convidados das bandas.
A solução encontrada foi alugar o espaço de uma empresa
que ficava no outro lado da avenida, e que só funcionava até as 18
horas, portanto mediante tal acordo, tal empresa liberava o seu espaço para os clientes do Spectrum, no período
noturno.
Acostumamo-nos com a rotina de entrarmos pela Av. do
Estado, dar a volta no quarteirão e pegar a pista da Av. Dom Pedro I,
sentido centro, para poder estacionar naquele local alternativo e depois
atravessar a pé a perigosa avenida para acessar o Spectrum, por etapas, pois
são quatro pistas, separadas por ilhas com árvores grandes.
Um visão noturna da avenida Dom Pedro I, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, com as suas quatro pistas separadas por ilhas arborizadas
Foi
assim por bastante tempo e nunca sentimo-nos inseguros, pois mesmo
tendo que atravessar a avenida por etapas e carregando instrumentos,
havia um segurança armado do estacionamento alternativo, que dava um
suporte etc.
Mas não contávamos com um evento digno de seriados
policiais americanos, justo no ensaio prévio que antecederia o show de
Sorocaba...
Chris Skepis e Juan Pastor, a conversar com o simpático, Ítalo, um dos proprietários do Spectrum.
Foi em uma quarta-feira normal, que nós chegamos para ensaiar às dez da noite, com encerramento previsto para a meia-noite, como de
costume.
O estúdio estava lotado e tudo correu normal, como de
praxe. Na saída, o clima estava ameno, estávamos tranquilos e outras bandas
também estavam a ir embora, simultaneamente.
Foram cerca de vinte
músicos a sair juntos com instrumentos nas mãos, e todos obrigados a atravessar a avenida, para caminhar em direção aos vários carros que ali aguardavam-nos.
Eu não notei (e acho que ninguém), que o rapaz que supostamente fazia a segurança do
estacionamento não estava ali a esperar-nos, e isso sempre foi a sua praxe,
pois ele costumava esperar por eventuais gorjetas da parte dos clientes do estúdio.
Atravessamos
a primeira parte da avenida e quando estávamos a nos aproximar da segunda ilha
de proteção, um bando de homens vestidos com roupas pretas, com feições orientais e
munidos de pistolas prateadas e reluzentes, saíram muito rapidamente de
trás de nossos carros, a atirar com tudo!
Sob uma fração de
segundos, pensei ser um assalto, mas logo percebi que nós não éramos o
alvo, pois eles passaram por nós a atirar em direção de onde saíramos, e
alguém contra-atacava, pois balas vinham pelas nossas costas, também.
Todo
mundo saiu a correr em disparada, e abrigou-se nos carros. Foi bala para
todo lado, a caracterizar ter sido um tiroteio muito forte, e nós todos ali no fogo
cruzado, a correr o risco de sermos alvejados a qualquer momento!
Lembro-me do
Chris ter tido o ímpeto de jogar o estojo de sua guitarra na pista da
Avenida Dom Pedro I, e sair a correr. A guitarra ficou jogada na pista
interna sentido centro, onde normalmente há o fluxo pesado de ônibus e por sorte, não
havia grande movimento, devido ao horário.
Mas o fato dele ter
jogado a guitarra no chão não fora um caso pensado de autodefesa, para
com isso ganhar mais mobilidade para correr. O fato lastimável, foi que
ele foi alvejado de raspão no cotovelo e o impacto, ainda que não
certeiro, deu-lhe o reflexo de soltar o estojo e na correria, depois de
achar um abrigo, não haveria meios de voltar à avenida, em meio àquela
saraivada de tiros.
Enquanto todos correram e abrigaram-se com
muita rapidez, a minha reação foi muito estranha e preciso explicar bem
para não ser interpretado mal.
Eu continuei a caminhar
calmamente, e a segurar o estojo do meu baixo e só quando cheguei à
calçada, fui buscar com calma, um abrigo atrás de um carro. Foi então que eu ouvi os
gritos do Juan Pastor e do Deca, a chamar-me pelo nome e cobrar-me
mais agilidade, mas eu não sei dizer o motivo exato, porém não senti medo
algum, apesar de ser um cenário de massacre, literalmente.
Uma
vez atrás dos carros, o cenário foi o de um front de guerra. Senti-me em uma trincheira,
literalmente, pois víamos a cena da guerra, agora de frente e as pessoas ali entrincheiradas
comunicavam-se com certo desespero. Cada banda pareceu procurar por seus
membros e ouvíamos outros gritos a chamar por nomes, todos preocupados com
todos.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff200611.htm
Acima, acesse o link de uma matéria publicada na Folha de São Paulo, na época, a cobrir tal evento criminoso.
Houve um temor óbvio de que aqueles pistoleiros voltassem
para liquidar ou assaltar-nos, não sei especificar, mas depois ficamos a saber que
aquele ataque fora um acerto de contas de uma organização mafiosa formada por orientais e
nada teve a ver conosco. Só estávamos na hora errada, e no lugar errado
para correr o risco de morrer gratuitamente, pela briga de estranhos.
Ainda
com o tiroteio a pegar fogo, eu vi um dos homens que os pistoleiros
estavam a atacar, morreu, ao cair lentamente escorado em uma árvore da ilha
da avenida.
Foi muito parecido com cenas de filmes policiais
norte-americanos, mas foi estranho ver algo a acontecer assim, na vida real. Tratou-se de um
sujeito também oriental e ele morreu sentado, escorado na árvore, com o
revolver na mão. De longe, pareceu ser uma pistola convencional "38", mas os matadores
profissionais usavam armas automáticas modernas que reluziam de tão
prateadas, e naturalmente eram mais precisas e com maior calibre.
Por
sorte, no auge do tiroteio, uma viatura da polícia virou a esquina da Rua
Independência e entrou na Avenida Dom Pedro I. Claro que dois policiais
com revólveres "38" não teriam como enfrentar e dominar pistoleiros hábeis
e fortemente armados, e convenhamos, naquele fogo cruzado, quem
deveriam defender ou confrontar? Porém, eles chamaram por reforços que começaram a aparecer e alguns minutos depois, muitas outras viaturas apareceram, além de ambulâncias etc.
Quando
amenizou a situação, o Deca levou o Chris ao pronto-socorro e por sorte foi só
raspão, mesmo, mas o médico imobilizou o braço dele.
Ficamos
dois dias
a pensar na hipótese de se cancelar a nossa participação em Sorocaba-SP, mas o Chris não
abriu mão de participar do espetáculo e na última hora, convenceu-nos a fazer o
show
só com a guitarra do Deca, e ele a cantar como um frontman, possibilidade que
aliás
ele cumpria bem, também, mas seria com o braço na tipoia.
Quanto
ao massacre da Avenida Dom Pedro I, a explicação fora essa: tal
avenida, era extremamente residencial, há muitas décadas atrás. Muitos
casarões de grande porte compunham-na, alguns, até como suntuosas
mansões. Com o tempo, as famílias foram a alugar os seus casarões para
comércio, caso do próprio, Spectrum.
Então, nós nunca havíamos
percebido, mas a casa ao lado do estúdio, era um prostíbulo de garotas coreanas. Com
muita discrição, ninguém percebia o que acontecia ali e nesse dia demos
o azar de haver um acerto de contas com o dono do estabelecimento.
Portanto,
os tiros que vieram pelas nossas costas e um deles passou perto do
cotovelo do Chris, foram disparados pelos seguranças do dono do prostíbulo que
tentaram defendê-lo.
Bem, houve mortes, prisões, nós vimos as
prostitutas coreanas a ser presas, alguns feridos conduzidos para a ambulância e o
Chris ficou mais pelo susto, ainda bem...
Continua...
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
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