domingo, 20 de setembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 142 - Por Luiz Domingues

Fizemos o soundcheck e as condições sonoras no palco ficaram boas. Tocaríamos com o conforto que tivemos em Americana e Monte Alto, e nos faltara em São Carlos, lamentavelmente. Nessa altura, já haviam nos dado a notícia de que a cantora, Cássia Eller houvera falecido há poucas horas, e todos ficamos abismados com a notícia chocante e lamentável. De noite, o Junior dedicou o show ao George Harrison e à Cássia Eller.

Quando a noite chegou, nos arrumamos e ficamos à disposição da produção local, pois um link ao vivo de uma emissora de Rádio faria a cobertura do evento, e queriam que participássemos a conceder entrevistas, e a criar motivação em torno de testemunhais para incrementar a divulgação.

Muito bem, seria positivo colaborar nesse sentido e quanto mais gente viesse, melhor para a banda, apesar desse show em específico, ter sido pago com cachê fixo, sem preocupação com a féria da bilheteria. Lembro-me então de uma pequena parafernália eletrônica ter sido montada pela rádio, e o repórter a nos abordar para fazer perguntas e nos pedir testemunhais.

Pela excitação toda, pareceu uma ambientação de show de Rock de banda internacional mainstream, e claro que estávamos a apreciar esse, digamos, glamour. 

Finalmente liberaram a entrada do público, já com a noite a avançar. Foi de fato uma multidão e na pequena estrada vicinal de acesso, deu para se avistar um congestionamento. De fato, o evento seria um sucesso, pelo que estávamos a presenciar.

Chegou a hora, e a banda de abertura iniciou a sua apresentação. Arrancaram bons aplausos da plateia, mas deu para sentir que a grande massa estava ali para nos assistir, e isso foi sensacional e raro para nós, acostumados que estávamos a não ter essa atenção, infelizmente, e foram os ossos do ofício de uma banda a trabalhar no patamar underground.

Mas se tornara preocupante, no entanto, que na aparência, parecia ser um público típico para bandas de Heavy-Metal, pois o visual das pessoas, em sua imensa maioria, se mostrava como um autêntico autêntico uniforme: a cada dez, dez usavam camisetas pretas com estampas de bandas de Heavy-Metal. Foi um indício, mas não podíamos formular um preconceito baseado em uma mera constatação meramente visual. Se estavam ali, se vieram de várias cidades vizinhas em excursões (a denotar interesse e sacrifício), foi por que gostavam de nossa banda, não acha, leitor?

O Velho Lobo encerrou a sua performance e após alguns ajustes feitos pelos roadies, nós subimos enfim no palco. A excitação foi enorme, o público se mostrou bem grande. Com gritinhos típicos, aplausos e aquela sensação de adrenalina típica de início de show, começamos...

À medida que tocávamos, contudo, sentíamos nitidamente que a excitação diminuía progressivamente. Não houve nenhuma hostilidade, mas sim, olhares de perplexidade, que eu nunca havia percebido em qualquer show da Patrulha do Espaço com a nossa formação, e ao ser mais amplo ainda, acho que em nenhuma outra banda onde toquei, em toda a carreira. Tal estupefação pareceu ter sido uniforme, pois a cada música, eles nos olhavam com aquela expressão de quem estava a estranhar tudo. Foi como se eles nutrissem uma imagem da banda, e ali ao vivo, estivessem atônitos por estarem a nos ver completamente diferentes do que imaginavam que seríamos.

Todos os pontos chave de nosso show, onde estávamos acostumados a provocar reações de euforia, não contiveram nenhum grande respaldo por parte deles. Sentíamos que nos olhavam com perplexidade, até pelo nosso visual, o que foi bastante decepcionante para nós também, pois a nossa vibração que emitíamos, definitivamente, não foi igual à deles.

Quando anunciamos que o show estava a se aproximar do seu final, um coro surgiu e ganhou força entre o público: "Olho animal, Olho animal, Olho animal". Queriam, naturalmente, ouvir a música que tocara insistentemente na emissora de rádio de Fernandópolis, e claro, gostavam da Patrulha do Espaço que chegara à eles, na sua fase mais pesada, através dos discos: "Patrulha 85" e "Primus Inter Pares", praticamente álbuns de Heavy-Metal em sua essência.

Não conheciam a história da banda a fundo, a fase inicial com Arnaldo Baptista, nos anos setenta, tampouco a fase do Power-Trio que fora prolífica... e muito menos entenderiam a proposta do "religare" que esta formação trazia em seus anseios artísticos, desde 1999.

Em suma, conheciam a fase mais obscura (ao meu ver, não quero tecer juízo de valor e contrariar quem não pensa assim e gosta dessa fase pesada da banda), com uma Patrulha do Espaço mais pesada e a flertar com o Heavy-Metal. Estava explicada a expectativa criada, e a perplexidade por nos ver a usarmos calças boca de sino e bata indianas ao sabor hippie, e a tocarmos as músicas de intensa inspiração "1960 & 1970", provenientes do álbum Chronophagia, e as clássicas da banda, incluso da fase Arnaldo Baptista.

Em nenhum momento nos hostilizaram, mas a decepção ficara nítida. Achavam que destilaríamos o repertório dessa fase pesada da banda, mas nós, pelo contrário, estávamos com a proposta sonora e visual, completamente antagônica!

Bem, o Rolando Castello Junior teve presença de espírito e no auge do coro por "Olho Animal", apanhou o microfone e pediu desculpas, ao dizer que essa canção não estava no repertório, mas voltaríamos em breve, e assim prometeu tocar para eles. Um princípio de ovação foi ouvida, a denotar que haviam se resignado com tal frustração e compraram a promessa do baterista e membro original da fundação da banda. De fato, um ano depois voltamos à Jales e cumprimos a promessa, mas isso eu conto depois...

O público foi a escoar lentamente do local, mas para nós, ficou um sentimento de estranheza muito grande. Tocar para um público que nutre outras expectativas é uma possibilidade que pode ocorrer na carreira de qualquer artista, mas nesse caso, a estranheza fora mútua, pois tanto nós, quanto eles, o público, estivemos estupefatos pelo falta de sincronia, na medida em que ambos, esperavam uma grande festa e por motivações diferentes, ficou um gosto de frustração para todo mundo. Pelo esforço todo da produção em ter divulgado tão bem o espetáculo, esperávamos um público quentíssimo, a reagir exatamente como o público de nossos melhores shows, desde 1999. 

As condições de som e iluminação foram boas, o volume de pessoas ali presente, se mostrou enorme, e a expectativa gerada pelo show, muito grande, portanto, haveria de ser o cenário ideal que esperávamos. E da parte deles, o público, esperavam a Patrulha do Espaço pesada dos discos que mencionei e sonhavam com os riffs de "Olho Animal" e "Robot", por exemplo. Foi, portanto, um choque térmico para ambos, e tal falta de sinergia, transformou toda aquela expectativa em uma sensação de frustração generalizada. 

Todavia, a noite/madrugada ainda reservar-nos-ia mais algumas surpresas...

Continua...

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