domingo, 20 de setembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 140 - Por Luiz Domingues

Grande parte do trajeto para Monte Alto foi por uma estrada vicinal bastante aprazível e em alguns trechos, arborizada, que amenizou o forte calor sentido naquela região e em específico naquela época do ano, com o início escaldante do verão. Chegamos na aprazível cidade de Monte Alto, ainda antes das 15:00 horas e com tempo para nos instalarmos no hotel disponibilizado para nós, pela produção local, quando aguardarmos com bastante tranquilidade a hora da montagem e soundcheck. A casa em que tocaríamos era bem montada e tinha dois ambientes.

Um desses ambientes se mostrava com grande porte, semelhante a um salão de festas de um clube poliesportivo e o outro de menor porte, mas bastante digno, com um palco bem montado e munido de um equipamento com qualidade e pressão de P.A. para shows de artistas autorais. E seria nesse ambiente menor que tocaríamos, pois o grande espaço estava montado para uma festa temática ao estilo jamaicana com bandas de reggae, que aconteceria no dia seguinte, sábado.

O dono da casa, era jovem, mas parecia ser bastante dinâmico e antenado no métier do agendamento de shows e festas por diversas cidades interioranas daquela região. Estava acostumado a produzir shows de artistas do mainstream, de duplas sertanejas a artistas do Pop Rock vagabundo das FM's, pagodeiros, axé music etc. Portanto, ele sabia que uma banda como a Patrulha do Espaço, apesar da sua grandeza dentro da história e a ostentar a sua dignidade artística, era obviamente, pelos termos comerciais, outsider e nesse patamar do underground, não deveria atrair um grande público à casa, ao se considerar ser Monte Alto, uma cidade de pequeno porte, e sem a perspectiva de deter um público Rocker acentuado como houvera em São Carlos, uma cidade universitária e com cena cultural forte.

Na pequena, Monte Alto, o público que comparecia regularmente à casa era formado pela juventude local à cata de baladas tão somente e sem fechar com uma estética em específico. Para eles, tanto fazia se a noite seria de reggae, música sertaneja ou pagode. E o curioso é que a casa se chamava: "The Doors Pub", e tinha uma decoração que remetia ao Rock, com óbvia menção ao grupo de Rock sessentista, The Doors, e inclusive a usar e abusar do logotipo da banda norte-americana e da imagem de Morrison, Manzareck, Densmore & Krieger...

Por isso, o proprietário nos encaixou na sexta-feira, e isso explica o alinhamento da turnê e cada dia fora um encaixe muito mais em função da casa, do que do interesse da banda, daí a turnê ter sido montada ao contrário, ou seja, com o penúltimo show no ponto mais longínquo da capital. Mas se as condições não foram boas por tudo o que eu já relatei, por outro lado, a infraestrutura técnica observada em Monte Alto, foi muito melhor do que o show da noite anterior, em São Carlos. Que pena, que essa casa, com esse equipamento, não pudesse ter sido a estrutura para que atuássemos em São Carlos! O público Rocker de São Carlos merecia ter nos visto com aquele som e luz de Monte Alto, mas no mundo underground as situações eram montadas na base do melhor possível, e nem sempre dávamos sorte, nesse quesito, enfim...
Toda a estrutura de Monte Alto, aliás, era muito melhor em todos os aspectos, a despeito de ser uma cidade minúscula, e a casa em que apresentar-nos-íamos, não ser Rocker, propriamente dita. Fomos muito bem tratados em todos os sentidos, além de tudo. A começar pelo hotel que detinha uma infraestrutura de um nível muito superior à que nos hospedáramos em São Carlos. O jantar foi com pizza à vontade para todos, e depois de encher a pança com gorgonzola e provolone, o sono começou a nos rondar, ao ver filmes nas TV, mas... tínhamos um show de Rock para fazer...
Resolvemos ir a pé para o recinto do show, apesar da advertência do gerente do hotel, de que seria um percurso relativamente longe o local. Havíamos optado por deixar o nosso ônibus estacionado no pátio da casa, estrategicamente preparado para o carregamento do equipamento logo após o show, e fomos para o hotel através de caronas de pessoas da produção. Mas subestimamos a distância e não combinamos que ninguém nos apanhasse no hotel. Claro, na hora de irmos, não encontraríamos táxis de forma alguma em uma cidade daquele porte, e resignados, resolvemos irmos a pé. E foram dez ou doze quadras, e daquelas de metragem interiorana, com porte grande, portanto, seguramente andamos quase dois Km.

A parte boa dessa caminhada forçada foi que a cidade estava completamente deserta, e esse passeio chegou a ser lúdico pelas circunstâncias. A brisa noturna esteve bem refrescante, para aliviar o forte calor que fizera durante o dia inteiro. Ouvíamos o ruído de grilos, algo tipicamente interiorano, e o revoar de um ou outro morcego, além do eventual barulho proveniente de corujas.  

Passamos por uma enorme praça pública, inteiramente deserta, muito aprazível, a se parecer com uma pracinha de cidade europeia, de tão florida, bem iluminada e bem arrumada que estava. Foi uma visão prosaica e bonita, mas ao mesmo tempo, nos questionamos se haveria público na casa, visto que a cidade estava deserta, a se assemelhar com o cenário de um toque de recolher de cidade sitiada.

Mas à medida que nos aproximamos da casa noturna, vimos que os quarteirões anteriores faziam parte da ala mais residencial da cidade, e nos arredores do "The Doors Pub", havia um certo movimento, sim. Então, chegamos à casa. Realmente não havia um grande público, mas já esperávamos essa fraca frequência, por tudo o que já ponderei e pela conversa franca que tivemos com o dono do estabelecimento, que era um experiente agente de shows na região.

Que pena! Pois o equipamento estava ótimo, com uma iluminação bastante digna e a despeito do público pequeno, fizemos o nosso show regular e pasmem, apesar do tamanho diminuto da cidade, havia sim, fãs da banda, presentes! Foram poucos, mas entusiasmados, como sempre ocorria em show realizados em locais sem nenhuma tradição Rocker. Foi portanto, um prazer tocar para tais fãs entusiasmados, ainda que estivessem ali em pequeno número.

A baixa da noite fora o road manager, Marco Carvalhanas, que teve uma indisposição estomacal, e aconselhado por nós mesmos, não nos acompanhou no show, ao ter se recolhido no hotel.

Encerrado o show, foi tudo tranquilo a posteriori e voltamos para o hotel, onde em meio a uma instalação de ótimo nível, pudemos descansar bastante, pois já fora o terceiro dia da turnê, e além do cansaço diário de fazer um show, que desgasta muito, havia  a questão dos percursos de ônibus, sob a intensa violência solar interiorana a derreter o asfalto da estrada. 

E foi providencial dormir bem, pois enfrentaríamos o maior percurso no dia seguinte, para irmos à Jales, a cidade mais distante da turnê, com a perspectiva de ser o show mais festejado dessa etapa, pois os organizadores locais estavam a esmerar-se para divulgá-lo em toda a região.

O show de Monte Alto aconteceu no dia 28 de dezembro de 2001, no Doors Pub, com cerca de setenta pessoas presentes na plateia. Jales-SP, foi o próximo destino...

Continua...

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