Já a antever que aquela situação não acabaria bem, ficamos bastante desconfiados da continuidade do projeto em si, pois se antes mesmo da realização do primeiro espetáculo da temporada, o rapaz já nos advertira com essa conversa sobre "volume de som", foi de fato um sinal de mau agouro. A noite chegou e nós fomos tocar.
O público presente esteve muito tímido, com cerca de vinte pessoas presentes apenas no ambiente, mas para nós, em termos de ânimo, tocar em um lugar vazio ou no palco do Festival de Woodstock, não mudava a nossa determinação de entrega artística absoluta.
Quem esteve ali era fã da banda e certamente apreciou a nossa tradicional entrada com a música: "Não Tenho Medo", quando o técnico sinalizava insistentemente para abaixarmos o volume.
Se há algo que irrita um artista em pleno momento de performance, é alguém a insistir em querer tirá-lo das nuvens onde está, quando exerce a sua interpretação no palco, para trazê-lo abruptamente para o solo, mediante a quebra total da magia da ribalta.
Ninguém tolera essa falta de sensibilidade da parte de alguém que não percebe que ali, naquele momento, o artista está quase que sob um transe "shamânico", fora da realidade telúrica, e isso vale para atores, músicos ou poetas em ato de declamação. Ali em cima é uma outra realidade imersa em magia, e assim, voltar para o chão é uma quebra energética visceralmente ruim, e que quase sempre causa um dano irreversível ao artista, pois à medida em que se perde essa sinergia mágica, o espetáculo está arruinado, mesmo que o artista o leve até ao seu final e a grande massa não perceba o desconforto enorme ali causado.
Sinalizamos que abaixaríamos os amplificadores e para que ele ficasse calmo, quando fomos para a terceira música, visto que a segunda canção, "Festa do Rock", era normalmente emendada na primeira, e não dava para interromper ao bel-prazer do elemento.
Mesmo a conter a volúpia e abaixar bastante, assim que começamos a tocar a música: "Ser", o sujeito não notou a nítida amenizada que déramos e ficou ainda mais contrariado, como se tivéssemos aumentado, ou seja, ele estava transtornado e mesmo que desligássemos os amplificadores, ele ainda pediria para abaixar mais, a caracterizar que estava predisposto a nos incomodar a noite inteira.
Ouça: "Ser" enquanto lê, amigo leitor, e medite sobre a possibilidade dessa música ser executada com o volume de uma canção ao estilo da Bossa Nova, com voz e violão...
"Ser", como todo fã da Patrulha do Espaço sabe, é um Hard-Rock vigoroso e tocá-la sob um patamar de volume baixo daqueles, foi uma tortura para nós e o sujeito ainda a querer menos volume, só nos irritou com a sua perseguição declarada.
Prosseguimos, a tentar fazer ainda mais dinâmica na música seguinte, "O Pote de Pokst", e assim abaixamos a canção para um grau hiper desconfortável para a banda, ao ponto do Junior ficar muito irritado em ter que tocar a sua bateria sob um patamar inviável, a comprometer completamente a sua performance, sem pegada alguma.
Diante de tal pastiche sonoro, a banda esteve muito prejudicada e mesmo assim, o rapaz mostrava-se indignado, a gesticular de forma a mostrar que não se conformava, pelo fato de que considerava possivelmente que nós não o "obedecíamos" por rebeldia ou coisa que o valha. Mas a realidade, foi que estávamos a tentar atender a orientação da casa, entretanto, o patamar sonoro em que nos encontrávamos, foi muito abaixo do padrão de um ensaio, portanto, aquilo estava a arruinar a nossa performance.
E como se não bastasse isso, toda essa conversa era muito suspeita, pois sabíamos que na noite anterior, haviam tocado duas bandas muito barulhentas, uma de Heavy-Metal, e outra de Punk-Rock, ali mesmo, e que fizeram portanto dois shows longos e na íntegra.
Não quero alimentar teoria da conspiração, mas o que realmente ocorreu ali, foi um mistério para nós.
A produtora, Sarah Reichdan, não esteve presente, mas contou com um representante seu, na persona do baterista, Carlinhos Machado, que eu já conhecia desde 1995, aproximadamente, pelo fato dele ser uma figura super conhecida no meio do Rock paulistano, tendo tocado em inúmeras bandas. Curiosamente, nove anos depois desse ocorrido, eu entraria na banda do guitarrista, Kim Kehl, "Kim Kehl & Os Kurandeiros", e toco com ele, Carlinhos, desde 2011, portanto, por ele ser o baterista dessa banda.
O meu amigo, o baterista Carlinhos Machado
Um gentleman no trato pessoal, Carlinhos estava ali a representar a produtora, Sarah, e ele foi conversar com o gerente sobre o ocorrido e este lhe garantiu que a temporada continuaria normalmente, e que na próxima quinta-feira deveríamos voltar ali para dar continuidade na temporada. Mas no dia seguinte, Sarah nos ligou e comunicou-nos que a temporada estava cancelada.
É difícil mesmo para entender esse episódio, por tudo o que já expliquei. O que pretendiam essas pessoas, está na consciência delas, muito provavelmente jamais saberemos.
Ainda no decorrer de maio, a Sarah nos comunicou que nas quintas posteriores, fãs da banda apareceram na tal casa e surpreenderam-se com nossa ausência, visto que muitos cartazes e filipetas foram para a rua a anunciar a temporada com cinco shows em sequência.
A vida seguiu, não foi a primeira, nem seria a última vez que um espetáculo causar-nos-ia um dissabor. Para compensar, tínhamos uma boa data para cumprir, mas aí sim, através de um teatro bem estruturado, e com promessa de bom público estimado.
Continua...
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