Sempre um porto seguro para qualquer artista, tocar no Sesc representava não só uma apresentação com infraestrutura adequada para uma banda de nosso porte, história e musicalidade, mas a certeza de um bom público presente, e ao ir além, um aquecimento para a nova turnê que faríamos ao sul do país, desta feita sem apresentações no Paraná, mas apenas em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Como eu já disse anteriormente, a produtora musical, Sarah Reichdan havia nos ajudado muito, desde 2001, no entanto, a sua estratégia de nos introduzir no universo do circuito Sesc, baseava-se em uma peregrinação de shows não exatamente confortáveis, na tentativa de ganhar a confiança primeiro dos produtores culturais dessa instituição, para depois, nos encaixar em circunstâncias mais agradáveis, artisticamente a falar.
Fazer shows semi-acústicos, ultra acústicos, ou ter que dividir o palco com muitos convidados, não foi exatamente o que desejávamos. Aliás, claro que não, se dependesse de nossa escolha.
Aceitamos as suas ideias e táticas, na esperança de que adviesse uma etapa mais confortável e vitoriosa a seguir, quando faríamos muitos shows em diversas unidades dessa instituição, mas dentro das nossas características normais, ou seja, ao cumprirmos o nosso show habitual com eletricidade total, e sem necessidade de convidados. Mas isso nunca ocorreu, infelizmente.
Portanto, esse show que faríamos na unidade do Sesc Ipiranga, seria dentro de nossa zona de conforto, mas não foi uma produção dela, Sarah, mas sim do baterista & cantor, Paulo Barnabé, irmão do pianista, compositor e cantor, Arrigo Barnabé.
Sujeito zen, dono de uma conversa amena e muito gentil, diga-se de passagem, Paulo foi solícito conosco em todas as etapas da produção desse show.
No dia da apresentação, lembro-me bem, a Copa do Mundo de 2002 estava a pleno vapor e como sabemos, o país costuma parar, literalmente, quando o time do Brasil vai jogar e nesse dia estava marcado o jogo : Brasil x China.
Por sorte nossa, o mundial de 2002, estava a ser disputado em dois países asiáticos, Japão e Coreia do Sul, e por conta disso, quase todos os jogos ocorriam com o fuso a apontar para o fim da tarde ou noite desse dois países asiáticos, e assim, os jogos passavam aqui muito cedo, ainda madrugada, ou na parte da manhã. Dessa maneira, o fato do Brasil jogar não prejudicaria o nosso show, independente de resultado, se houvesse euforia ou depressão pós-jogo.
Cheguei na unidade do Sesc em primeiro lugar, e pus-me a inteirar com os funcionários do equipamento de som e iluminação, terceirizados, sobre os primeiros procedimentos da montagem do palco. Logo os meus companheiros foram a chegar também e tudo transcorreu com calma, sem atropelos. A divulgação feita pelo Sesc Ipiranga estava a contento e nós também havíamos empreendido os nossos esforços na somatória e a expectativa foi ótima, pois o boca-a-boca estava bem forte sobre uma presença boa de público.
Soundcheck bacana, iluminação decente de show de Rock profissional, camarim bem estruturado, cenotécnica... poxa, por que não era sempre assim? Se fôssemos norte-americanos ou britânicos, com a bagagem que tínhamos, a estrutura seria dali para muito melhor, e sempre, não tenho dúvida, mas no Brasil...
Ainda a relaxarmos no camarim, a produtora da banda, Claudia Fernanda, sinalizou-nos que os ingressos estavam esgotados e que muita gente ficou sem possibilidade de entrar. Apelamos para o produtor, Paulo Barnabé, para que ele tentasse convencer os responsáveis pelo Sesc a liberar a entrada desse excedente para que tais pessoas assistissem nos corredores, mas os dirigentes foram inflexíveis ao alegarem normas de segurança coadunadas com as exigências dos Bombeiros e Defesa Civil e que isso seria impossível, portanto. Uma pena, mas a segurança em primeiro lugar, isso é indiscutível.
Com a possibilidade cênica de se começar o show com as cortinas fechadas, combinamos com os técnicos para usarmos tal recurso, e foi muito bom começar a tocar com a cortina sendo aberta vagarosamente e ao nos depararmos com o público, vermos em vários semblantes de pessoas, que haviam curtido tal efeito cênico.
Existe uma gravação caseira nossa de bastidores, feita pelo próprio Rodrigo com uma câmera Mini-VHS, que nos filmou de costas pela perspectiva da câmera que ele posicionou em cima de um cabeçote de amplificador. Dá para ver a banda a se preparar segundos antes do show começar e está nos planos, lançar tal material no YouTube, um dia. Infelizmente tal filmagem contém poucos momentos de show em si.
Ali, tocamos mediante o volume compatível com o ambiente do teatro, mas agradável para uma banda de nossa sonoridade, e não sob aquela tortura que vivemos na casa noturna, "Venice", que descrevi em capítulo anterior.
Na primeira fileira, notei a presença de um senhor que era um vizinho de quarteirão do Rolando Castello Junior. Esse senhor que já era veterano na época, era um saxofonista que trabalhara a vida inteira a tocar na noite paulistana e que vivia a afirmar que queria nos ver ao vivo etc. e tal.
Mas claro, o seu espectro musical era outro, e mesmo ao nos ver cabeludos e sabedor que éramos uma banda de Rock, não demonstrava contrariedade com essa diferença, mas o fato é que ele não devia mensurar direito o que era um show normal em nossas características.
Pois assim que o vi, a sua expressão facial era de pânico, nos primeiros compassos da primeira música. Imaginei imediatamente que ele não aguentaria a massa sonora, ainda mais sentado na primeira fileira e a receber o impacto direto dos amplificadores no palco, somado à potência do PA. Eu só não poderia supor que o seu martírio fosse tão grande, pois ainda estávamos no começo da segunda música, "Festa do Rock", quando o vi se a levantar incontinenti, para se retirar do recinto...
Claro que eu não fiquei chateado e pelo contrário, tenho consciência de que mesmo sendo ele um músico experiente com tantos anos de carreira, o seu espectro musical habitual, além da extrema leveza sonora, deve ter sido praticado em quase 99 % das oportunidades, em situações acústicas, com pequenos combos de samba de Roda, chorinho, ou no máximo, através de uma mini-orquestra de gafieira.
Portanto, qualquer sonoridade minimamente mais pesada que um conjunto de Rock, no padrão da Jovem Guarda, que ele devia achar "barulhento" em 1966, não se comparava à nossa volúpia ali naquele palco. Não faz muito tempo, ainda em 2015, o vi a caminhar pelas ruas do bairro da Aclimação, mas ele não me viu. Estava muito envelhecido e demonstrava sinais de embriagues bem acentuados, lamentavelmente.
Fora essa ocorrência exótica, foi um show excelente, que nos deixou muito felizes, pois a resposta do público foi muito calorosa. Aconteceu no dia 8 de junho de 2002, um sábado. Lotação máxima com trezentas cadeiras ocupadas ou duzentas e noventa e nove a descontar com a saída desse senhor saxofonista e pelo menos oitenta pessoas do lado de fora, frustradas por não terem conseguido o ingresso.
E o Brasil da dupla dinâmica, Felipão & Murtosa, venceu a China... 4x0...
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário