Bem, descansados após boas horas de sono, embalados pelo reconfortante som natural do riacho que passava atrás do apart-hotel, e também pelo frio intenso que valorizou o uso dos edredons e cobertores, recebemos a visita de pessoas ligadas à produção local.
Estava tudo sobre controle e a hospitalidade estava excelente, aliás um padrão em cidades interioranas em geral, independente de que estado forem da federação.
Cidade de porte mediano, e muito bonita, Concórdia-SC continha uma casa noturna que detinha tradição de abrir as suas portas para artistas autorais. E assim que chegamos ao estabelecimento para o soundcheck vespertino, vimos murais espalhados pela casa, com fotos e shows pregressos, e verificamos então que muita gente boa já havia passado por lá. Claro, eram predominantemente artistas do patamar underground como nós, mas houveram também artistas do mainstream, pois vimos fotos do Erasmo Carlos, Guilherme Arantes, Marcelo Nova, e Engenheiros da Havaí, por exemplo.
A casa se chamava:Tulipa Bar e era bem montada. Não era luxuosa, mas mostrava-se aconchegante. As suas donas eram duas mulheres simpáticas que nos receberam muito bem e tudo prometera para a noite, principalmente quando nos disseram que a expectativa gerada na cidade estava grande e que haviam indícios que uma caravana vinda de outra cidade próxima, Chapecó-SC, estava organizada com fãs da nossa banda e muito a fim de nos ver. Claro que nos motivamos com tal perspectiva de casa cheia, e com público Rocker, melhor ainda.
Voltamos a caminharmos para o apart-hotel, visto que optamos por deixar o nosso ônibus estacionado ali e a distância era mínima. O frio estava a apertar no entardecer, a prenunciar uma noite gelada e de fato, ali é uma das regiões mais frias do Brasil, tradicionalmente, com temperaturas que chegam aos graus abaixo de zero com costumeira facilidade, no rigor do inverno sulista.
Antes de voltamos à casa, tivemos um compromisso radiofônico e já noturno, onde através de uma micro entrevista, reforçamos o convite para os Rockers locais enfrentarem o forte frio das ruas, e irem se aquecer ao nosso som Chronophágico. Entretanto, uma grande surpresa nos aguardara mesmo, quando entramos no estabelecimento, que já continha um bom contingente ali acomodado.
Assim que entramos, aquela turma de Chapecó-SC que fretara um ônibus para vir nos assistir, nos envolveu aos berros, a nos ovacionar de uma forma tão contundente e emocionante que um clima de comoção se instaurou no local. Munidos de capas de vinis antigos da Patrulha do Espaço, mas também várias capas do CD Chronophagia em mãos, puseram-se a cantar em coro, a música: "O Novo Sim", desse referido CD de nossa discografia e claro que nos emocionamos.
Concomitantemente, uma equipe de jornalismo da TV local estava ali pronta para fazer uma micro entrevista conosco, e claro, foram rápidos e filmaram essa chegada triunfal da banda em meio aos seus fãs, a cantar uma música do novo disco, que aliás, sabiam de cor e mais do que isso, demonstravam adorá-la. Bem, claro que nesse torpor todo gerado pela comoção ali instaurada, tal situação deu-me a oportunidade de fazer reminiscência e reflexão imediata...
Passou um filme na minha imaginação, a pensar em todo o esforço empreendido para fazer o sonho do resgate energético 1960 & 1970 pulsar novamente, através dos primórdios do projeto Sidharta. Pensei bastante nos meninos Hid e Schevano, mal saídos da adolescência, nos ensaios para a composição daquelas canções, o sonho a movimentar todo aquele esforço, enfim, e aquela garotada catarinense a cantar aos berros, sob intensa emoção a música: "O Novo Sim", foi a concretização de tudo aquilo que começara no final de 1997.
Claro, pensei até no José Luiz Dinola, que mesmo ao não vibrar com a mesma intensidade o sonho do resgate aquariano, era, curiosamente, o autor dessa letra, que aqueles jovens Rockers catarinenses cantavam a plenos pulmões.
Porém, com a Patrulha do Espaço, pelo fato da banda ter se imbuído desse resgate, explicitamente a falar, os resultados concretos foram muito mais visíveis, e assim, manifestações como essa vinda da parte de Rockers de Chapecó a se mobilizarem para nos assistir na cidade vizinha, Concórdia, e nos recepcionarem na casa noturna onde apresentar-nos-íamos dessa forma esfuziante, foi uma prova cabal de que os nossos esforços lograram êxito, e em particular, eu me senti muito gratificado, por tudo o que expus.
Com essa comoção toda, é claro que o show foi muito quente, e esse público respondeu a cantar e vibrar, do início ao final. Todavia, tenho que registrar que a euforia e comoção ficou a cargo desses quarenta e e poucos fãs ardorosos da Patrulha do Espaço que vieram de Chapecó, pois tirante poucos Rockers de Concórdia-SC, o grande grosso do público do Tulipa Bar, reagiu ao nosso show de forma muito mais comedida.
Fácil de se explicar, o público habitue da casa era da jovem burguesia da cidade, fenômeno comum em muitas casa de outras cidades onde já havíamos tocado anteriormente, portanto, não nos aborrecemos, tampouco nos surpreendemos com essa apatia.
Por sorte, a euforia dos Rockers de Chapecó tornou o show sensacional para nós e assim, saímos muito contentes daquele palco, e a acrescentar, a satisfação da parte das donas do estabelecimento foi visível, certamente para abrir as portas para que voltássemos a tocar em seu estabelecimento, e foi o que ocorreu posteriormente, em outras ocasiões. Foi assim a noite no Tulipa Bar de Concórdia-SC, em 22 de junho de 2002, com cerca de duzentas e cinquenta pessoas presentes no estabelecimento.
Como última ocorrência dessa madrugada, vimos que um casal de namorados muito jovens e freaks, estavam desolados em um canto, quando o público já havia saído da casa, quase completamente.
Os interpelamos e descobrimos que eram de Chapecó, mas deviam ter se distraído a namorar em algum canto obscuro e não perceberam que o seu ônibus fretado havia partido. E naturalmente que naquela adrenalina toda, os seus amigos nem notaram a sua falta no ônibus.
Aquela cena pungente remeteu-me aos anos sessenta e setenta, naturalmente, ao me fazer lembrar de jovens hippies em porta de teatros, a sacrificarem-se para ver grandes concertos de Rock e/ou MPB e a terem que amargar horas de espera para poder voltar para a casa.
Sem dinheiro, no entanto, para tomarem um ônibus comercial para a sua cidade, não fora apenas a questão das horas de espera e do frio que estava intenso até para eles catarinenses, e acostumados com o rigor do frio sob um padrão europeu. Lembro-me portanto do Rolando Castello Junior a lhes dar um dinheiro para voltarem, assim que o primeiro ônibus para Chapecó surgisse na rodoviária de Concórdia. A garota citada se chamava, Gabriela e o namorado, Lucas.
No dia seguinte, antes de sairmos da cidade, ainda tivemos o cuidado de mandar instalar faróis de milha que não tínhamos par o nosso ônibus. A experiência de ficarmos sob uma neblina intensa na noite retrasada, a passarmos muito perigo em uma estrada íngreme, sob encostas e a sermos ultrapassados por caminhões e ônibus munidos de motor turbo, recurso que não tínhamos, nos deixou apreensivos e o mínimo nesse caso foi mandar instalar faróis de milha específicos para enfrentar a situação de neblina, e colocar adesivos refletivos na parte traseira do bólido.
Com bastante tempo hábil, saímos de Concórdia no meio da tarde com destino à Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A nossa meta foi viajar com tranquilidade, sabedores que haveria um longo trecho de serra a ser enfrentado, e assim, com nosso ônibus a possuir um motor convencional e não turbo, a lentidão seria certa.
Paramos para jantar em um simpático restaurante de posto de gasolina na altura de Passo Fundo, já no estado do Rio Grande do Sul. Cabe explicar que tínhamos um show marcado para essa mesma cidade naquele domingo, mas ele havia sido cancelado, daí termos descansado em Concórdia até a metade da tarde.
No posto, a comida farta, bem feita, saborosa e sob um preço absurdamente baixo, nos deixou satisfeitos, apesar do show de Passo Fundo não ter se consumado e houve um certo ar de chateação por isso.
Mas ter um carro velho é um problema, pois mesmo a fazermos checagens básicas, sempre poderíamos sermos surpreendidos...
Já passava das dez da noite, quando um barulho forte que veio perto do motor, nos deixou apreensivos. O "seu" Walter parou no acostamento, e ao se levantar do banco de motorista, só nos disse: -"Foi a caixa de câmbio, e é grave"...
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