Mas foi melhor perder cerca de quarenta valiosos e escassos minutos, a ter uma pane na estrada e perder o show. O clima pesou entre nós. Ninguém teve culpa por esse revés, mas os nervos estiveram à flor da pele, e portanto, o melhor foi permanecer o máximo do tempo, sob silêncio.
O "Seu" Wagner tinha perdido roupas, por conta de
ter nadado na água podre da enxurrada. Ao nos dizer estar com bastante
enjoo, ele passou a tomar leite de forma compulsiva para tentar neutralizar o mal-estar que sentia por
ter ingerido aquela água fétida e mesmo assim, não tínhamos nenhum
elemento técnico para afirmar que leite seria o suficiente e nem mesmo
adequado para coibir um dor estomacal e promover uma limpeza. Com dor e tudo, ele trabalhou com afinco para efetuar a troca de óleo, o mais rápido possível.
E
se aquela foi a sua primeira viagem e estava em experiência conosco, já
estava aprovado, não só pela condução segura, mas principalmente pela
atuação no momento crítico da tragédia aquática, ao salvar o nosso carro
do colapso. A parte social do carro ficara um nojo, pois o barro tratou de torná-la um chiqueiro, literalmente.
Já
começava o crepúsculo quando o "seu" Wagner anunciou que estávamos
prontos para partir. O tempo urgia, pois já estava ultrapassado o
horário previsto para o soundcheck tranquilo que achávamos que faríamos,
um dia antes, quando nenhuma gota de chuva ainda havia caído.
O
gasto com uma inesperada nova troca de óleo e filtros, visto que
havíamos tomado essa providência anteriormente em São Paulo, não foi o
pior a se lamentar naquele momento.
Para amenizar, o visual da estrada ao crepúsculo esteve lindíssimo. Rajadas de sol poente trespassaram as árvores e o silêncio dentro do carro no deixou um pouco mais relaxados, quase com a certeza de que o pior passara. Nos atrasaríamos, sem dúvida, mas daria certo, mesmo sem a possibilidade de um soundcheck tranquilo. Talvez nem desse tempo de um soundcheck superficial.
Chegamos na entrada de São Carlos, enfim, e após uma certa apreensão para achar o endereço do Sesc, chegamos à porta de entrada da instituição, e ao menos tivemos uma bela visão: uma multidão aguardava em fila para o portão principal se abrir. Se tratava de um público jovem, enorme, e estava ali para nos ver.
Por alguns segundos, a mirar a fila pela janela do ônibus, lembrei-me dos anos setenta e daquele clima maravilhoso de porta de teatros e ginásios esportivos, com os freaks a aguardar o momento de adentrar o recinto para presenciar um concerto de Rock. Nesse breve instante, senti-me feliz por estar ali e a realizar o meu sonho adolescente de 1976. Sim, eu tocava naquele instante em uma grande banda de Rock, com história e árvore genealógica nobre na história do Rock brasileiro, e aquela multidão ansiava pela minha banda subir ao palco. Nessa breve divagação, todo o drama vivido pelo atraso descomunal, houvera sido obscurecido. O Rock falara mais alto, a missão tinha que ser cumprida. Todavia, novos reveses nos aguardavam...
Continua...
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