Todavia, não foi o que aconteceu, pois a quebrar todo o planejamento, se tratou do Junior do outro lado do fone, a comunicar-me de forma agoniada que deveríamos partir de forma acelerada, pois ao olhar o jogador, Cafu, a levantar a Taça de campeão na mão, e ouvir a gritaria e foguetório nas ruas, deu-lhe o insight que ficaríamos presos nas comemorações de rua e assim, ficara desesperado, ao temer por um atraso mastodôntico...
Enfim, todo mundo saiu com a feição facial "amassada" dos quartos, a lamentar muito estar a deixar o conforto de um Hotel cinco estrelas e naquele frio do sul, assim, às pressas, como se estivéssemos a perder o último trem para Clarkesville ou Jaçanã, como queira o leitor.
Entramos no ônibus e realmente houve uma movimentação popular intensa em Blumenau, mas longe de se observar uma interdição completa das ruas. Além do mais, era uma cidade interiorana, e mesmo que isso ocorresse, não seria muito difícil desvencilhar-se da multidão de torcedores ufanistas, e de fato, foi o que ocorreu. Rapidamente já estávamos na estrada, e a adrenalina absolutamente desnecessária já havia devidamente abaixada no organismo de todos da comitiva.
Bem, chegamos em Florianópolis muitas horas antes da previsão da casa onde apresentar-nos-íamos, abrir para a montagem do palco e soundcheck. O show ocorreria em uma casa noturna de ambientação Rocker, chamada: "Underground".
Ficava localizada na avenida que margeia a Lagoa da Conceição, um lugar de uma beleza incrível e recheada de turistas, com a imensa maioria formada de argentinos, tanto é assim, que muitas placas de informações são bilíngues ali, com português e espanhol grafados lado a lado.
Almoçamos nas imediações da referida casa, em um restaurante decorado com motivações náuticas, e após uma longa espera, finalmente fomos aguardar a abertura da casa onde faríamos o nosso show
Dias antes já havíamos amargado a notícia da morte do lendário baixista do The Who, John Entwistle, que nos chocara profundamente, visto ser um dos grandes ícones da história do Rock, evidentemente. Bem, mortes de celebridades e ufanismo futebolístico a parte, estávamos prestes a encerrar essa fase da turnê pelo sul do país.
Florianópolis foi a última etapa para nós e podíamos já comemorar antecipadamente o sucesso dessa turnê, independente de como seria o show no "Underground". Como uma praxe, sempre que sentíamos uma vibração positiva do local, e das pessoas envolvidas na produção, a infraestrutura deixava a desejar...
Tratava-se de uma casa rústica, a se parecer com um mini centro cultural aberto para artistas do underground e daí o nome do estabelecimento ser coadunado com esse espírito, mas o equipamento de som e iluminação eram precários.
Na base da boa vontade, o pessoal responsável se desdobrou para providenciar ajustes de improviso, e assim o som melhorou um pouco, mas mesmo assim, seria sofrido tocar com um PA tão tímido.
Quando a noite chegou, compensamos toda a precariedade do equipamento e fizemos um dos mais energéticos shows não só dessa etapa da turnê, mas creio que do ano inteiro até ali. Foi um clima de show de Rock de outrora que contagiou o público presente, que era inteiramente antenado nessa vibração e tal sinergia nos fez levantar voo naquele palco escuro, carente de uma iluminação alucinante e condizente com a vibração ali estabelecida.
Bem, a suar aos píncaros, deixamos o palco mega satisfeitos com a energia do show, e o assédio foi grande embora não fosse um grande contingente presente.
Com o amigo, Paulo Valério Silva, o "Pevê", no camarim do "Underground". Ele foi nos ver naquela noite e vibrou na mesma sintonia. Foto rara dessa noite, e do acervo dele mesmo.
Aconteceu no dia 30 de junho de 2002, no Underground de Florianópolis.
Bem, fechada com chave de ouro essa etapa da turnê, voltamos para São Paulo extenuados pela somatória dos onze dias longe de casa.
Não tivemos grandes problemas com o ônibus (troca da caixa de câmbio em Passo Fundo-RS, além de um pneu furado em São Leopoldo-RS), e poucos aborrecimentos com fatos corriqueiros extra musicais, apenas.
Nos despedimos do pessoal do Underground e entramos no ônibus ainda no fim da noite de domingo, com vontade de voltar para São Paulo, sem escalas, dado o cansaço acumulado. Relaxados dentro do ônibus, e a apreciar a paisagem noturna belíssima de Florianópolis, o astral quebrou-se como por encanto, quando alguém notou que o banner da venda de discos e souvenirs não estava dentro do carro.
Um dos roadies havia esquecido o banner na casa noturna. O "seu" Walter sugeriu voltarmos, mas o Junior pediu para ele seguir em frente, pois provavelmente a casa já estaria fechada e seria um aborrecimento ter que ligar para o responsável voltar e abrir etc. e tal. Paciência, mais um prejuízo de última hora, desta feita de pequena monta, menos mal.
A viagem seguiu tranquila e já na alta madrugada, todo mundo dormia, menos eu que ficava ligado o tempo todo e a conversar com o "seu" Walter.
Então, eis que repentinamente perdemos a luz externa do nosso ônibus. Walter me disse que provavelmente perderíamos a ignição se parássemos para verificar o ocorrido e assim, ele sugeriu que parássemos em um posto onde houvesse a certeza de haver um eletricista, para não corrermos riscos.
Já estávamos adiante de Curitiba, a nos aproximar da fronteira de estados entre Paraná e São Paulo, quando achamos um posto com um auto-elétrico aberto. Quando o ônibus desacelerou e fez manobra de entrada no posto, os demais foram a acordar e a perguntar o que ocorria e o "seu" Walter se pôs a explicar, mas daquele seu jeito enigmático, a dar a entender que teríamos problemas.
Como quase todo mecânico de beira de estrada, o sujeito fez suas verificações e foi a emitir indiretas a dar conta de que seria difícil achar um dínamo novo naquela hora em seu estoque etc. e tal. A nossa sorte foi que o "seu" Walter falava a linguagem dessa gente e ficou atento ao sujeito, a barganhar e a peça "miraculosamente" apareceu em uma embalagem lacrada em algum compartimento secreto daquele barracão insalubre, e nos foi vendida por um preço um pouco acima do normal de mercado. Se estivéssemos sozinhos, o rapaz teria nos arrancado o dinheiro absurdo que pedira inicialmente.
Enquanto instalava, ouvimos um barulho incrível na estrada, e de-repente, a surgir de uma curva, vimos um caminhão que apareceu a capotar e parar com um violento estrondo na encosta de rochas.
Pior que ver um acidente desse porte, ali a menos de cinquenta metros de distância de onde estávamos, foi ver que em meio a pessoas que socorriam o caminhoneiro todo ensanguentado e atordoado, uma multidão de inescrupulosos aproveitadores mórbidos da ocasião, apareceu sabe-se de lá de onde, e iniciaram um saque que pareceu um ataque de gafanhotos à carga do caminhão. Foram caixas de bolachas (entenda "biscoitos", se você que estiver a ler não for paulista ou gaúcho). Fiquei chocado com a cena, mas muita gente que estava no posto, portava-se como se estivesse acostumada com uma barbaridade dessas e... bem, é o povo brasileiro e depois se surpreendem que certas pessoas proeminentes na sociedade sejam gatunas, ora, de onde elas vem, se não é do seio desse mesmo povo com essa índole?
Sem meios para ajudar, ficamos chocados, e temerosos a pensar em todo o nosso equipamento no ônibus. Se roubavam caixas de bolachas com aquela volúpia animalesca...
Consertado o nosso carro, voltamos para a estrada e vimos que a Polícia Rodoviária e ambulâncias de paramédicos estavam a chegar para socorrer o caminhoneiro. Quanto à sua carga, bem, tudo foi saqueado e ao ver pelo lado da desigualdade, talvez o conceito expresso acima não se coaduna com a realidade que faz com que pessoas passem fome, sem nenhuma chance de reverter tal quadro macabro de uma sociedade tão injusta.
Chegamos em São Paulo já na metade da manhã, extenuados, mas felizes pelo cômputo geral da turnê. O nosso próximo compromisso formal, seria cumprido apenas no mês de julho, com mais três shows no Centro Cultural São Paulo.
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