sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 181 - Por Luiz Domingues

Apesar desse suposto golpe de sorte em "achar" um motorista-mecânico a nos salvar, a figura do "seu" Wagner ou "Alemão", como queria ser chamado, foi uma incógnita. 

De fato ele era habilitado para dirigir ônibus e nós sabíamos que ele ganhava a vida a pilotar um ônibus clandestino no transporte público de São Paulo, e não obstante tais constatações, mostrou-se solícito e eficaz ao trocar o óleo e alguns filtros do carro e a fazer algumas outras verificações na suspensão, freios e parte elétrica do veículo.
Porém, a verdade foi que o contratáramos sem referência alguma e enfrentaríamos uma viagem para três cidades interioranas e entre ida e volta, seriam cerca de mil kms para rodar. Será que ele era realmente bom de volante? Sem meios para checar e sem outras opções, só saberíamos dessas questões na estrada. Seriam três shows em três cidades, conforme já falei anteriormente. 

Em Ribeirão Preto, o primeiro destino, seria um show a ser feito em uma casa noturna, na sexta-feira. No sábado, tocaríamos no Sesc de São Carlos, e no domingo, tocaríamos em uma casa noturna de Mirassol.

No dia da viagem, eis que eu recebi o telefonema do Rolando Castello Junior, a pedir-me para ir buscar o "seu" Wagner em sua residência, por que este alegara que se viesse de condução para o nosso bairro, atrasaria muito o início de nossa viagem, isso por que estaria a ocorrer uma suposta greve de motoristas de ônibus urbanos na zona leste da cidade, e dessa forma, por morar em um bairro longínquo e sem estações do metrô por perto, ele não teria meios de ir à zona sul, por que a sua única alternativa seria ir a pé até a estação de metrô mais próxima, e isso significava kilômetros de distância.

Claro que não foi uma situação correta. Em tese, o empregador não tem obrigação alguma de ir buscar o seu contratado em domicílio, isso é óbvio. Todavia, diante de um fator excepcional que é sempre o transtorno de uma greve no setor de transportes, para o povo mais humilde que não tem outra alternativa, claro que imbui-me de espírito de grupo, e entrei no meu carro e mediante o auxílio de um mapa desses que vendem em bancas (antes do Google Map e sobretudo do GPS se popularizarem, todo mundo tinha uma "Mapograf" ou um "Guia Quatro Rodas" no porta-luvas do carro e confesso que ainda tenho esse costume), lá fui eu ao bairro de São Mateus, no extremo da zona leste de São Paulo, no intuito de minimizar atrasos na nossa viagem.

O "Seu" Wagner era um homem simples, mas dentro das características de sua personalidade prosaica, ele era brincalhão, muito emotivo e quando me viu a chegar na porta da sua casa, praticamente marejou os olhos e agradeceu-me efusivamente pela minha atitude de ir buscá-lo. Na sua ética particular, aquilo equivaleu a um sinal de respeito e humildade de minha parte, do qual ele certamente não estava acostumado a ser tratado, por parte de pessoas de classes sociais mais abastadas. 

Para mim, foi algo normal, na medida em que trato qualquer pessoa com respeito, pois faz parte de minha educação básica, desde o berço, não discriminar ninguém, mas aos olhos desse homem humilde, foi algo excepcional.

Bem, dali em diante, essa admiração pela minha pessoa trouxe o lado ruim e pegajoso, pois automaticamente ele passou a me enxergar como um "protetor" seu em diversas circunstâncias e assim, muitas vezes no futuro, aborreceu-me a sua insistência em que eu sempre interviesse ao seu favor, quando conflitos surgiram. Mas isso fica para ser relatado mais para a frente, pois não vou atropelar a narrativa.

Ali naquele momento, ele mostrou-se agradecido e muito falante, e foi o percurso inteiro a narrar histórias vividas na estrada, como motorista de ônibus de linha e caminhoneiro. Mais que desejar impressionar-me, deu para sentir que ele realmente tinha essa experiência que dizia ter, mas me convenci mesmo de sua sinceridade quando percebi que demonstrava ter paixão pela profissão, e no meio da conversa, deixara escapar que sentia saudade da estrada e que há muito tempo não tinha essa oportunidade de dirigir através dela, longe da loucura da cidade e a fugir de blitz policiais urbanas, visto que o seu ônibus era clandestino.

Isso foi a me tranquilizar internamente, pois mesmo sendo um tiro no escuro, parecia que ele realmente era do ramo, e que levar-nos-ia para essa excursão, em segurança, com bastante profissionalismo ao volante.

Chegamos ao nosso destino e ele assumiu o ônibus no estacionamento em que estava parado, fez os seus ajustes de praxe e fomos para a minha residência, onde estava todo o equipamento da banda. 

Carregamos o carro e a contar com um roadie improvisado, visto que não teríamos mais com o carrier que era amigo do ex-sócio e de fato, o rapaz era desqualificado para a função. Mas sem arrumarmos alguém do ramo, o próprio, Samuel Wagner, nosso roadie oficial, tratou de indicar o Marcelo Fortunato, baterista da banda "Montanha", de Santo André-SP, que aceitou nos auxiliar nessa etapa da turnê. 

Abastecemos o carro e fomos para a estrada. Na viagem de ida, fomos para Ribeirão Preto sem nenhum incidente, com absoluta tranquilidade e com o "seu" Wagner a se entrosar rapidamente com toda a banda, a fazer brincadeiras, a rir conosco, mas a demonstrar uma direção absolutamente segura e profissional. 

Chegamos em Ribeirão Preto, no final da tarde e fomos direto ao local onde tocaríamos, para montar o palco e fazer o soundcheck. Nem passara pela nossa percepção, que aquele início de turnê, tranquilo e sem percalços, seria na verdade, mudado radicalmente, pois essa etapa da turnê ficou marcada, posteriormente, por ter sido uma das mais dramáticas que tivemos, e eu vou contar tudo, certamente.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário